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ENTREVISTA PAULO JOSÉ
Paulo José faz da velhice uma ficção
Aos 70, ator está em "Saneamento Básico", que estréia na sexta; ele diz não dar bola para o mal de Parkinson e se imagina com 25
Aos oito anos, Paulo José brincava de ser cavaleiro do rei Arthur. Com o irmão Luiz Alberto, que defendia o reino de Carlos Magno, teve incríveis duelos. A intimidade com
as artes cênicas (e a luta) continua no centro da vida e
da imaginação desse ator que, aos 70, é um dos maiores do país. Tratando o mal de Parkinson com medicação, exercícios e certo desdém com a companhia da
doença, ele volta às telas na próxima sexta.
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Você tem uma doença degenerativa, progressiva e irreversível." Com essas palavras, o
médico anunciou ao ator e diretor Paulo José que ele era portador do mal de Parkinson, síndrome que pode levar à perda
de movimentos e da voz.
Com olhos e ouvidos atentos
ao seu interlocutor, o ator julgou ver nele um traço de "prazer sádico" ao proclamar o
diagnóstico. Paulo José então
encarou o médico e notou sua
careca. "Você também!", pensou o paciente, "afinal, o que é o
envelhecimento, senão uma
doença degenerativa, progressiva e irreversível?".
Mas velhice é algo com que
Paulo José, 70, convive somente na ficção. "Não imagino que
tenho 70 anos. Imagino que tenho 25. Mas gosto de representar quem não sou eu, como os
velhos de 70."
É exatamente isso o que ele
faz em "Saneamento Básico - O
Filme", título de Jorge Furtado
que chega aos cinemas na próxima sexta-feira.
Otaviano, seu personagem, é
um velho marceneiro, desiludido com as possibilidades de
avanço social da pequena comunidade gaúcha onde vive e
da qual já foi administrador.
Segundo os arquétipos da
"commedia dell'arte", que inspirou todos os personagens do
roteiro de Furtado, ele seria o
"nobre decadente, que quer
morrer em paz", aponta o diretor e roteirista.
Fossa
Pai de Marina (Fernanda
Torres) e Silene (Camila Pitanga), ele desdenha da tenacidade
da filha mais velha para construir no município a fossa sanitária cuja falta é motivo de desconfortos e micoses generalizadas na população local -incluindo o marido de Marina,
Joaquim (Wagner Moura).
Por caminhos tortuosos, a
trupe familiar acabará produzindo um vídeo, "O Monstro do
Fosso", no qual Otaviano interpreta um cientista e -surpresa!- revela-se um ator melhor
do que a encomenda.
Esse é o quarto longa-metragem na carreira de Furtado e o
33º na de Paulo José, que começou a brincar de não ser ele
mesmo quando ainda era
criança, no Rio Grande do Sul,
onde foi criado "num clima de
fantasia exacerbada".
Com o irmão Luiz Alberto,
ele brincava de Távola Redonda. "Luiz Alberto era francês,
cavaleiro de Carlos Magno. Eu
era do rei Arthur. Tivemos
grandes duelos", conta.
A mãe, pianista e declamadora, incentivava a prole na leitura da Biblioteca Internacional
de Obras Célebres, que mantinha em casa, e nas aulas de piano no Instituto Municipal de
Belas Artes de Bagé.
"Só mulheres estudavam piano naquela época. Eu, meus irmãos e o filho do dono da papelaria éramos os únicos homens", relembra o ator.
Fazenda
O ambiente caseiro voltado
"às expressões artísticas" era
contrastado na vida dos garotos
com o período de férias na fazenda, onde viviam com os
peões e tal qual eles.
A regra era clara: "Se caísse
do cavalo e se machucasse, nada de choro. Levanta, monta de
novo e pé na estrada".
Aos dez anos, no colégio em
Bagé, Paulo José descobriu sua
"vocação para diretor", por mérito involuntário do padre Mário Ramos, encarregado das aulas de música e teatro.
Integrante do elenco da
montagem infantil que o padre
Ramos preparava, Paulo José
um dia deixou os ensaios e foi
embora para casa "muito inquieto" com uma solução cênica que soava "absolutamente
falsa", na contramão do que o
garoto achava que devia ser o
teatro: "a imitação do real".
No dia seguinte, o aluno sugeriu ao professor uma mudança na cena. Aceita. Quinze anos
depois, Paulo José se mudava
para São Paulo, para fazer parte
do Teatro de Arena, onde se revezou nas funções de "cenógrafo, figurinista, bilheteiro".
Era a época em que ele se
sentia "um homem de teatro" e
"achava os atores muito egoístas, porque só pensavam em
seus próprios personagens".
"Apenas ator"
Foi nas filmagens de "O Padre e a Moça" (1965), de Joaquim Pedro de Andrade, que
ele "descobriu a delícia de ser
apenas ator". Quando chegou à
cidade de Diamantina, substituindo às pressas o ator que faria o papel principal, mas contraiu hepatite às vésperas da filmagem, Paulo José encontrou
tudo pronto e no lugar.
"Bem que eu tentei. Mas não
havia nada para eu dar palpite.
Eu só tinha que me preocupar
em dar verossimilhança ao
meu personagem."
Na atuação minimalista que
o cinema exige, Paulo José descobriu, além da delícia, também o segredo de ser ator.
"Tudo acontece no olho,
quando você [o público] olha e
vê que tem alguém morando ali
dentro. Em alguns atores, você
vê que não tem ninguém dentro. Saiu e foi para onde?"
Da pré-estréia de "O Padre e
a Moça" no Rio de Janeiro,
Paulo José guarda uma de suas
memórias mais fortes do cinema. Ele, o diretor e o montador
Eduardo Escorel foram para a
sessão "muito apreensivos".
Esperavam ser recebidos com
"pó-de-mico e gás sulfídrico
pelo pessoal da UNE", que supunha tratar-se de "um filme
alienado" e queria "sabotar a
exibição".
"Num momento em que a arte estava comprometida com a
política, tendo que dar uma resposta ao golpe militar, vinha o
Joaquim Pedro falar da história
de um padre com uma moça, no
interior de Minas, porra!"
A sessão que se anunciava
"insuportável" começou com
"certo alvoroço, mas foi silenciando aos poucos" e terminou
com "o aplauso de quem antes
estava contra, sem ter visto,
mas acabou percebendo que
aquele era um filme extremamente político, sobre preconceito, repressão e a exploração
violenta da miséria".
Embora a arte estivesse comprometida com a luta contra a
ditadura, o regime militar persistiu e, em 1968, Paulo José
partiu com seu grupo de teatro,
o Tusp, em turnê pela França,
com a decisão já tomada de dissolvê-lo na Europa.
Dina Sfat
Antes da viagem, casou-se
com a atriz Dina Sfat (1938-1989), que já era sua "companheira", como ele diz. Como
presente de casamento, as famílias de ambos deram a eles o
suficiente para que passassem
um ano vivendo em Paris.
Quando o casal retornou ao
Brasil, o segundo filme de Paulo José com Joaquim Pedro de
Andrade, "Macunaíma" (1969),
fazia "enorme sucesso", o que
contribuiu para delinear o percurso do ator em direção à TV
Globo.
"Fui para a televisão porque
o cinema autoral tinha acabado, os teatros estavam fechados. Não havia campo de trabalho. A TV nos cooptou."
Aos 32 anos, Paulo José continuava gostando de dar palpites na direção alheia. Agora,
não era o padre Ramos, e sim
Daniel Filho quem ouvia suas
sugestões para a novela "Véu de
Noiva". No dia em que ficou
farto de tanto comentário, Daniel Filho lançou o desafio:
"Hoje você dirige!". O ator ficou
"meio apavorado", mas aceitou.
"Marquei todas as cenas e dirigi. Até que deu para fazer direitinho." Tão direitinho que ele
se tornou diretor na emissora.
Enquanto revira suas memórias na conversa com a Folha,
Paulo José fila cinco cigarros e,
a cada vez, repete a explicação
por não ter no bolso o próprio
maço: "Parei de fumar!".
Pergunto se suas baforadas
devem ser consideradas como
suspiros. "Desconfio dos que
não fumam: esses não têm vida
interior, não têm sentimentos.
O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar", ele diz.
E arremata o poema de Mário Quintana com a confissão
de que vive "sem dar bola" para
o Parkinson e cuida a sério da
saúde, mas não aceita todas as
privações. "A vida é uma qualidade, não uma quantidade. É
preciso negociar isso direito."
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