São Paulo, domingo, 15 de julho de 2007

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Crítica/"Últimos Dias"

Van Sant lança olhar sobre o niilismo da geração grunge

Em "Últimos Dias", diretor usa estrutura radical para retratar Kurt Cobain

Divulgação
Michael Pitt interpreta o astro do rock Blake, inspirado no líder do Nirvana, Kurt Cobain, em "Últimos Dias', de Gus Van Sant


BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Clichês são necessários em qualquer tipo de arte. Em "Últimos Dias" (2005), filme de Gus van Sant que chega ao Brasil direto em DVD, acompanhamos os momentos finais de um astro do rock isolado no próprio mundo, entre drogas e amigos inúteis, antes do esperado (e previsível) ato final: o suicídio.
Obviamente trata-se de Kurt Cobain (1967-94), aqui chamado Blake (Michael Pitt), mas para Van Sant a questão não é jogar alguma luz sobre o líder do Nirvana. Fizesse isso, correria o risco de cair numa radiografia sobre toda uma geração, a niilista juventude dos anos 90. É o mesmo território de perguntas sem respostas de "Elefante" (2003), filme anterior do diretor, que revê o massacre de Columbine.
O que "Últimos Dias" mostra é um protagonista fantasma, que circula entre vivos, mas parece ser invisível, sem alma. Um clichê ambulante, que precisa ser eliminado para que a obra de arte adquira alguma relevância para a posteridade. Essa era a questão central para Cobain, artista que viveu deslocado entre dois mundos.
Elevado à condição de salvador de uma indústria musical prestes a falir, tornou-se o ícone de uma geração apática. Parecia não acreditar que seu som punk estava agradando às massas, a mesma que tempos atrás idolatrava artistas descartáveis como Michael Jackson.
Era como aquela piada de Groucho Marx que dizia não querer fazer parte de um clube que o aceitasse como sócio. Em composições, Cobain explicitava a vontade de voltar ao útero materno e retornar a um tempo anterior, mais autêntico.
Cinema moderno
Van Sant retorna também a um tempo anterior, do início do cinema, quando narrativas e montagens videoclípicas não eram essenciais para se contar uma história.
Não serão poucos os que considerarão "Últimos Dias" hermético, chato ou "cabeça" demais. Blake/Cobain praticamente não fala, apenas balbucia frases incompreensíveis.
Isso, no entanto, não é o que mais incomoda no filme, e sim a impossibilidade de entrar na mente de Cobain. Várias seqüências com enquadramentos com grande profundidade de campo, por exemplo, deixam Blake/Cobain lá no fundo da tela, quase um borrão, uma assombração, enquanto vemos em primeiro plano itens de mobília ou pessoas dormindo.
Uma das seqüências mais radicais, por exemplo, dura quase cinco minutos, com a câmera parada em frente à casa. Blake está lá dentro, andando de um lado para outro, tocando (e destruindo) instrumentos, e tentamos acompanhá-lo, como voyeurs. O mistério só aumenta.
Os extras do disco fazem crescer o fascínio por este filme sem concessões. Além do making of, onde a equipe fala sobre o processo de improvisação que guiou toda a filmagem, há um videoclipe do Pagoda, banda de Michael Pitt, que incorpora à perfeição o imaginário visual irônico e agressivo do Nirvana.

ÚLTIMOS DIAS
Direção:
Gus van Sant
Distribuidora: Warner (R$ 40)
Avaliação: bom


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