São Paulo, quarta-feira, 15 de julho de 2009

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Antunes tem pressa

Inspirado pela videoarte, Antunes Filho apresenta ágil montagem de "A Falecida", de Nelson Rodrigues

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Prestes a completar 80 anos, o diretor Antunes Filho está farto daquilo que sabe sobre teatro. Para espantar o tédio, acelerou o tempo. Agora é DJ.
Em "A Falecida Vapt-Vupt", que faz três apresentações no Festival Internacional de São José do Rio Preto (SP) antes de iniciar temporada em São Paulo, ele sobrepõe camadas, tempos, espaços, como um disc-jóquei saído da pista para o palco.
A intriga da peça de Nelson Rodrigues é simples: a dona de casa do subúrbio carioca Zulmira quer se despedir de uma vida de dissabores num enterro grã-fino, com crucifixo de cristal, caixão com alças de bronze, cavalos com penachos e tudo mais que houver. De tanto criar expectativa pelo próprio funeral, adoece de fato.
Antunes e seu grupo Macunaíma retomam a história em alta voltagem. As cenas na casa da protagonista, no consultório médico a que ela vai e na funerária em que arquiteta o seu "grand-finale" se sucedem em ritmo vertiginoso. Não raro, há simultaneidade de ações: o fim de um diálogo acontece em paralelo ao começo de outro, em tempo-lugar distinto.
A isso, o diretor acrescenta o ruído incessante de um bar, único cenário concreto da montagem (os outros são sugeridos), delimitado ao fundo por uma parede branca coberta de "pichações de banheiro", como ele descreve. A inspiração são os retratos "secos, enxutos" do precursor da pop art, Andy Warhol (1928-1987).
"Quero uma imagem dura, seca, árida, não mais aquela clássica, cheia de sombras, de aura. O barulho de fundo é para aturdir, tontear, manter uma atmosfera sufocante, mostrar como estamos zonzos", diz.

15 minutos de fama
Antunes também recorre a Warhol para explicar a obsessão de Zulmira. "Quanto mais você é pisado, mais você sonha. Ela quer um momento de glória, os seus 15 minutos de fama. A esperança, a porra da esperança é tudo no homem, mesmo que seja para a morte."
Mais até do que a pop art, Antunes bebe aqui na fonte da videoarte e da radicalização da ideia de tempo e espaço comprimidos, condensados.
"De repente, percebi que tinha de pegar alguma coisa desse bombardeamento eletrônico que estava lá fora. Senão, estaria no tempo da vovó. Tenho de oferecer algo que leve o espectador a outra dimensão do teatro. Não dá mais para ser naturalista nem realista. Tem de fugir do cânone", avalia.
Para quem ficou conhecido por encenações de marcação rigorosa e formalismo agudo, a afirmação soa como uma alforria. "Estou cada vez mais aberto, em busca do imprevisível. Aquilo que sei em termos de teatro é muito miserável."
Mas devagar com o andor. O fascínio de Antunes pela videoarte não deve se traduzir tão cedo no uso de projeções ou pirotecnias multimídia em cena. "Não é assim! Faça teatro com as armas dele. É muito mais ousado e essencial. O negócio é tomar emprestados os impulsos, os neurônios das outras artes que estão no ar."
Como ele fez em "Foi Carmen" (2005/08), seu espetáculo anterior, um "poema teatral" construído a partir do imaginário associado a Carmen Miranda -e que também resultava numa ode ao dançarino japonês Kazuo Ohno.
""A Falecida Vapt-Vupt" é o antípoda de "Foi Carmen". Ali, tratava-se de um tempo oriental, estático, cheio de vãos de silêncio. Agora, é um tempo avassalador, do consumismo, da sociedade do espetáculo. Este é yang, aquele era yin."
DJ Antunes sabe o que quer com suas picapes.


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