São Paulo, quarta, 15 de julho de 1998

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ARQUITETURA
Holanda vê o Brasil como laboratório

Reprodução
Esboço feito pelo arquiteto holandês Peter Thole do Sesc Pompéia, em São Paulo, projetado por Lina Bo Bardi


PATRICIA MORIBE
especial para a Folha


O Brasil tem muito mais a mostrar em termos de arquitetura e urbanismo, além das já consagradas linhas e curvas de Oscar Niemeyer, da Brasília de Lucio Costa e dos projetos e intervenções de Lina Bo Bardi.
É o que mostra o livro "Brazilië, Laboratorium van Architectuur en Stedenbouw" (Brasil, Laboratório de Arquitetura e Urbanismo), lançado na Holanda pela editora do Instituto Holandês de Arquitetura, o NAi, de Roterdã.
O livro é fruto de três viagens ao Brasil organizados pelo Nirov (Instituto Holandês de Planejamento e Habitação) e pelo arquiteto Paul Meurs, do escritório The Urban Fabric, em Utrecht. A edição reúne impressões, análises e reflexões dos arquitetos.
Segundo Meurs, que já publicou vários artigos sobre o Brasil em revistas especializadas holandesas e brasileiras, as cidades do Brasil podem ser consideradas como um laboratório ideal para observar e refletir sobre o futuro de outras cidades no mundo, pois podem ser vivenciadas numa escala que não existe na Europa.
"Assim, o Rio pode ser considerado a paisagem urbana idealizada pelos modernistas, enquanto Brasília é uma utopia concretizada, a única "ville radieuse' do mundo", diz Meurs. "Já Curitiba virou uma cidade-modelo da ecologia em escala metropolitana, enquanto Salvador renova os conceitos de tradição e de história."
Quanto a São Paulo, Meurs justifica a escolha da capital paulista para tema de estudo por ser "uma megalópole completamente direcionada pela iniciativa privada".
Num projeto editorial caprichado, o diário de bordo holandês recebeu um formato inusitado, um quadrado de 15 cm por 15 cm, 384 páginas, recheado de belas fotos. Algumas reproduções de esboços de cenas arquitetônicas feitas por dois participantes durante as visitas dão a primeira idéia do olhar holandês sobre o Brasil.
Cada capital é introduzida com um ensaio de autores brasileiros ou de estrangeiros que conhecem o país, além de textos de convidados especiais, como Aldo van Eyck, 80.
Ele é hoje um dos mais importantes arquitetos dos Países Baixos. Há dois anos esteve no Brasil, para gravar um documentário em que apresenta a obra de Lina Bo Bardi em São Paulo e Salvador. Em "Brazilië", ele exalta as qualidades do Masp (projeto de Lina) e da disposição dos quadros da Pinacoteca em cavaletes de vidro.
Outro convidado, Jo Coenen, fala sobre a obra de seu amigo Paulo Mendes da Rocha (que projetou o Museu Brasileiro da Escultura, o MuBE, em São Paulo) e de sua capacidade de criar "oásis de paz e beleza" em cidades brasileiras de urbanidade brutal.
Coenen esteve no Brasil em 97, exibindo seu trabalho na 3ª Bienal de Arquitetura de São Paulo.
O livro não pretende moralizar, julgar ou condenar a arquitetura brasileira, mas sim "descobrir" o Brasil e tentar "repensar" a situação na própria Holanda.
O editor da revista "Archis", Hans van Dijk, acha que há três elementos que definem o fator Brasil. Primeiro, a sensualidade como estilo, principalmente na obra de Niemeyer, que "emancipou o modernismo para ser um estilo, sem obrigações de se legitimar em termos de programa, ideologia ou filosofia".
Em seguida, a grande escala, em obras como Brasília, e edificações de grande porte no Rio e em São Paulo. E, finalmente, a segregação social causada pela divisão brutal entre ricos e pobres.
Van Dijk diz que as intervenções em favelas são uma lição para urbanistas do mundo todo no que se refere a trabalhar com situações de desenvolvimento caótico.
Hubert-Jan Henket, presidente do Docomomo Internacional (ONG que promove a documentação e a conservação da arquitetura moderna), pergunta como uma cidade como Brasília, onde os ideais utópicos e a realidade social estão em desequilíbrio, pode ser preservada para a eternidade.
Niemeyer e Lina Bo Bardi foram certamente os arquitetos que mais impressionaram os visitantes. Conhecer Brasília e outras obras de Niemeyer de perto foi para os especialistas holandeses uma espécie de reconhecimento de imagens do subconsciente.
Outros brasileiros que chamaram a atenção dos colegas europeus foram Burle Marx e João Filgueiras Lima, o Lelé. Os holandeses que visitaram suas obras, como o hospital Sarah Kubitschek, em Salvador, ficaram impressionados com a qualidade dos pré-fabricados utilizados e a com a racionalidade dos projetos.
Mas, pelo menos por enquanto, "Brazilië" só está disponível em holandês.



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