DA REPORTAGEM LOCAL

Uma coleção de 80 CDs de música brasileira leva adiante o projeto de reconstituição do catálogo da EMI. "Tesouros da Música" traz isca atrativa extra: a gravadora recomenda que os CDs sejam vendidos por R$ 16; já há lojas vendendo por R$ 12.
Trata-se de reposição de catálogo, mais que de reedição. Dos 80 títulos, apenas 15 são totalmente inéditos em CD. Incluem raridades do abolerado Anisio Silva, da dor-de-cotovelo de piano de Dick Farney, do jazz-MPB de Cesar Camargo Mariano, do rigor tenso de Taiguara, da esquina mineira de Lô Borges (leia lista abaixo).
No mais, voltam ao catálogo CDs num arco diversionista que parte de Angela Maria e Adoniran Barbosa e chega a Fernanda Abreu e Art Popular -pela metade do preço original.
Um dos trunfos da coleção é dar abrigo à reedição de álbuns originais do universo da música dita brega, com títulos reservados a Agnaldo Timóteo, Fernando Mendes (recém-regravado por Caetano Veloso), Benito di Paula e Paulo Sérgio.
Mas é nesse mesmo setor da música popular que começam os problemas da "Tesouros da Música" -quando a esmola é demais, o santo sempre desconfia. Artistas como Paulo Diniz, Luiz Ayrão, José Augusto e o próprio Fernando Mendes têm coletâneas antigas relançadas, e não títulos originais.
O mercado fonográfico saiu há não muito tempo do círculo vicioso de inventar infindáveis coletâneas mequetrefes de seus artistas de catálogo. É difícil entender, então, que na hora de reeditar títulos que já existiam a EMI opte por coletâneas antigas quase tão maltratadas quantos as de poucos anos atrás.
Isso se repete em outros setores. A coletânea de Dalva de Oliveira, lançada originalmente nos anos 70, se justifica pela raridade de títulos da artista de modo geral. O mesmo não se pode dizer das coletâneas de Waldir Azevedo, de Tim Maia e do rock setentista viajandão Sá, Rodrix & Guarabyra.
De Tim, a EMI só possui o álbum "Reencontro" (79) em catálogo. Nunca o relança, mas usa suas faixas em coletâneas como essa "Velho Camarada", cujas faixas raras (de Hyldon, Fábio, Rosana e The Fevers cantando com Tim) poderiam entrar como faixas-bônus de algum lançamento menos chutado.
Retrocessos se dão também na qualidade tipo xerox colorido das capas reproduzidas e nas informações insuficientes de datas e fichas técnicas. Por que preço baixo tem de ser sempre sinônimo de baixa qualidade?

Raros de volta
Bem, mas a qualidade se guarda então, como sempre, no conteúdo de bom número dos 80 discos relançados. Voltam, por exemplo, pelo menos alguns dos clássicos sempre deixados de lado de Paulinho da Viola e Clara Nunes.
Do primeiro, há os dois volumes soberanos de "Memórias" (76) e "Zumbido" (79). De Clara, destacam-se "Claridade" (75) e "Canto das Três Raças" (76), a um tempo de altos teores artísticos e grande efeito comercial nos 70.
Clementina de Jesus tem menos sorte: reedita-se, de novo, o disco de duetos de 79; o melhor de sua obra permanece no limbo.
Ainda mais raros são a fossa ao vivo de Maysa, a bossa instrumental do Milton Banana Trio, os encontros de vozes rigorosas de Dick Farney & Claudette Soares, Angela Maria & Cauby Peixoto, as baladas quase cafonas de Altemar Dutra, Cartola na janela com Dona Zica, o virtuosismo em rock progressivo instrumental do Som Imaginário, dois discos de Simone em início de carreira.
Capítulo à parte é a volta do disco de 71 de Antonio Adolfo e A Brazuca, um esquisitíssimo tratado da face mais hippie do rock, da black music e da MPB do início dos anos 70.
E o catálogo inacreditável da EMI segue adiante, explorado e inexplorado, maltratado e bem tratado. O Brasil parece adorar suas contradições.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Tesouros da Música   
Artista: vários (80 títulos)
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 16, em média, cada título; preço sugerido pela gravadora