São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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MÔNICA BERGAMO

Preparados para a guerra

Clete Silvério/Folha Imagem
Porteiros e zeladores de 35 edifícios de alto padrão de SP assistem a demonstração de como controlar incêndios


O bloquinho é figura decorativa: nenhum dos alunos anota uma palavra. "Eles absorvem tudo rapidamente", explica Elisabete Sato, delegada titular do 78º DP e uma das criadoras do curso. Esta é a segunda turma, que nasceu de parceria entre a polícia e o Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) dos Jardins. As inscrições foram tantas que há fila de espera para o próximo grupo, em setembro.

"Quando há um roubo, sempre jogam a culpa em nós", queixa-se o porteiro José Alves de Lima, o mais falante da classe. Elisabete Sato o acalma. "Não esqueçam que vocês também têm direitos", diz.

A aposta nos porteiros não é gratuita. "Podemos reduzir as ocorrências em até 40% com a ajuda deles", aposta Sato, otimista. Em maio, conta ela, um deles capturou a Loira dos Jardins, a líder de uma quadrilha que roubou dois prédios.

Os alunos falam pouco, quase nada. Alguém já correu risco de vida? É só tocar no assunto e eles se animam. Izaias Santos, 48, conta sua história. Trabalhava como segurança numa empresa e um colega não viu dois homens que entravam armados. Sobrou para ele, alvejado no abdômen. "A bala perfurou do estômago ao fêmur", diz.

Izaias também já foi confundido com moradores do prédio onde trabalhava, no Brooklyn. Resultado: um seqüestro-relâmpago que o deixou R$ 1.000 mais pobre. Mas sem um arranhão, para sorte da mulher e dos dois filhos gêmeos, Michael Douglas e Alan David, 12 anos. Os meninos, espera ele, serão artistas: formam uma dupla sertaneja e até já fazem shows.

No "recreio" de 15 minutos a regra é papear com moradores do bairro como a advogada Maria Thereza Cabral, presidente do Conseg Jardins, que também já passou por maus bocados: ficou presa num elevador com um assaltante enquanto os outros rendiam moradores no salão de festas. Foram salvos pelo síndico, que conseguiu fugir por uma janela e chamar a polícia.
Cercados de câmeras de vigilância e fios eletrificados, os moradores de bairros nobres paulistanos resolveram investir no material humano. Assim, entre terça e sexta da semana passada, 35 porteiros e zeladores de prédios de luxo da cidade se encontraram no 78º DP, na rua Estados Unidos, para um seminário com lições intensivas de segurança. Com bloquinhos nas mãos, eles tiveram aulas com bombeiros, policiais civis e militares sobre como evitar que os Jardins sejam vítimas de assaltos e arrastões que atingiram neste ano edifícios de alto padrão em bairros como Morumbi, Real Parque, Vila Mariana e Aclimação.


Instrutor do segundo dia de curso, o capitão Adriano Pazelli, da PM, orienta a nunca reagir a assaltos. "Roubarem tudo nunca vai ser tão grave quanto se alguém for morto", explica ele.

Pazelli diz que o ideal é criar códigos de SOS com porteiros vizinhos e moradores para avisar se há perigo sem chamar a atenção dos ladrões. "Nunca se sabe se quem chega no carro com vidros escuros é o morador ou um bando com armas."

Para Francisco Machado, presidente do sindicado que reúne funcionários de condomínios, o Sindificios, o curso representa a chance de um salto profissional. Quem ganha R$ 500 como porteiro em um prédio de classe média pode se qualificar e chegar a zelador em edifícios de alto luxo, onde os salários variam de R$ 1.500 a R$ 4.000.

A quantia enche os olhos dos empregados, mas é apenas uma gota no rio de dinheiro que os condomínios gastam com segurança. Em alguns, o investimento passa dos R$ 100 mil, gastos em blindagem de guaritas, câmeras e alarmes.

A precaução é natural para o zelador Gileno Nunes, 40, pois "pelas portarias dos Jardins sempre há gente bacana". Ele conta que já abriu os portões para políticos como José Sarney e José Serra e para a atriz Malu Mader". E, por isso, trabalha sempre de terno e gravata.

O cuidado com o visual parece preocupação da maioria dos alunos. Quase todos foram às aulas de blazer e sapato social. A loja favorita de muitos é a Garbo. "Lá se compra quatro peças e ganha uma", explica Paulo Armi, 46, o único que não era nem zelador nem porteiro. Atua como supervisor de segurança.

O curso, que é gratuito, termina com uma entrega de diplomas e um jantar de confraternização. Cada formando é convidado a levar um prato típico de seu Estado natal. "Na turma passada, até chorei. Foi tão bonitinho", conta Elisabete Sato.

@: bergamo@folhasp.com.br



COM ALVARO LEME (REPORTAGEM)


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