São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MÍDIA

Carl Bernstein, um dos jornalistas que revelaram o caso Watergate, fala sobre Michael Moore e a busca pela informação

"Imprensa dos EUA é a melhor do mundo"

DO "MONDE", EM LOCARNO (SUÍÇA)

Trinta e dois anos depois de, ao lado do colega Bob Woodward, ter divulgado o escândalo de Watergate, que acabaria provocando a queda do presidente dos EUA Richard Nixon em 9 de agosto de 1974, o jornalista Carl Bernstein esteve no Festival de Locarno, encerrado ontem. Ali, apresentou "Todos os Homens do Presidente" (de Alan Pakula; 76), na retrospectiva "Newsfront", dedicada aos jornalistas no cinema.
A seguir, Bernstein fala em entrevista coletiva.

Pergunta - Olhando em retrospectiva, o que você acha de "Todos os Homens..." hoje e da maneira como foi representado no filme?
Carl Bernstein -
Desde que o filme foi lançado, eu só o revi uma vez, dois anos atrás, e fiquei muito satisfeito por constatar que ele não envelheceu. Acho que a explicação disso não está tanto nos personagens, Bob Woodward e eu, mas na maneira como foi representado todo o processo de uma boa reportagem e como o jornal, como instituição, engajou-se por inteiro naquele grande trabalho de investigação.

Pergunta - Michael Moore disse esperar que "Fahrenheit 11 de Setembro" mude o resultado da eleição presidencial. Você acha que um filme pode ter esse poder?
Bernstein -
Acho que esse filme é um bom trabalho, mas não existe nenhuma obra que possua tamanho poder. Se houvesse, Watergate teria mudado o curso das eleições de 1972. Deve-se considerar o processo cultural e político como um todo. "Fahrenheit" é um elemento entre outros. Quanto ao seu conteúdo, há problemas reais de contexto, mas isso não impede que sua demonstração chegue mais perto da verdade do que todas as que Bush fez até agora.

Pergunta - Moore acha que a população não é suficientemente bem informada, especialmente pelas grandes redes de TV. Você acha que ele veio substituir outros meios de comunicação?
Bernstein -
Nos últimos 50 anos, os livros, os jornais, as revistas, as TVs e o cinema, todos desempenharam um papel na constituição da informação. "Fahrenheit" exerceu um papel em nossa cultura política; acho que a amplitude dos debates que o filme suscitou se explica por seu sucesso comercial. Para quem se interessa em procurá-la, a informação não falta; o problema está tanto no consumidor da informação quanto entre aqueles que a produzem.

Pergunta - Você acha que a imprensa escrita perdeu influência?
Bernstein -
Em primeiro lugar, quero afirmar minha convicção de que a imprensa escrita americana é a melhor do mundo. O jornalismo no Reino Unido vem decaindo há 30 anos, especialmente em razão da influência desastrosa de [Rupert] Murdoch [dono de um império de comunicação]. Na Alemanha, na França e na Itália, o problema é outro: a reportagem verdadeira, à qual chamo de a procura pela "melhor versão possível da verdade", não é algo a que seja dada importância grande, porque os jornais são guiados por considerações ideológicas.
Isso dito, a televisão hoje domina a informação recebida pela maioria dos americanos e dos europeus. As redes de jornalismo 24 horas por dia têm cada vez menos ligações com a informação verdadeira, mais ainda em razão da concorrência para ver quem grita mais alto. As reportagens são quase inexistentes nessas redes.

Pergunta - Como você vê o crescente espírito de contestação do público em relação à mídia?
Bernstein -
Talvez não mereçamos mais confiança do que isso, talvez não estejamos fazendo nosso trabalho a contento. Mas é preciso desconfiar dessas generalizações. Criticou-se muito a imprensa americana por não ter investigado Bush suficientemente. Hoje, porém, acho que já sabemos muitas coisas sobre esse presidente e sobre seu governo.

Pergunta - Em que medida você acha que a imagem pode ser vista como fonte de verdade?
Bernstein -
A imagem é uma ferramenta que precisa ser completada por entrevistas, comentários, outros elementos documentais. De tempos em tempos, porém, acontece de uma imagem -como as de Abu Ghraib- constituir uma história enorme em si.

Pergunta - Se você tivesse que escolher entre a verdade e a lenda, como John Ford faz James Stewart dizer em "O Homem que Matou o Facínora": "Quando a lenda vira realidade, imprima a lenda"...
Bernstein -
Sinto muita admiração por John Ford, mas não concordo com essa frase. Acho que ela tem muito a ver com a vitória do trivial sobre o que realmente tem significado, com o reinado da fofoca maldosa, do culto à celebridade. Deixamos de buscar a melhor versão da verdade e nos afastamos dela. O valor da fofoca, do sensacionalismo, é cada vez mais o da nossa profissão. A influência de Murdoch, em especial -que utilizo aqui como metáfora de um movimento mais amplo-, promoveu uma cultura imbecil. Mas, atenção! Nossa profissão não se resume a isso, felizmente.


Tradução de Clara Allain



Texto Anterior: Nova grade: Segmentação em filmes é a tendência na TV paga
Próximo Texto: Televisão: "Recordes" dominam o Troféu Santa Clara
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.