São Paulo, sexta-feira, 15 de agosto de 2008

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Crítica/"Nossa Vida Não Cabe Num Opala"

Com traços cartunescos, longa é um pacote indigesto

Dirigido por Reinaldo Pinheiro, filme é baseado em história de Mário Bortolotto

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Na primeira cena de "Nossa Vida Não Cabe num Opala", depois do plano fixo inicial e da bela seqüência gráfica dos créditos, a câmera perscruta um bar-e-sinuca paulistano de terceira categoria. Detém-se no garçom que limpa o ranho do nariz com a mesma mão que ajeita salgadinhos numa bandeja. Temendo que não tenhamos reparado na nojeira, repete seus gestos. A insistência mostra que o autor da história, Mário Bortolotto, e o diretor do filme, Reinaldo Pinheiro, não estão para sutilezas. A trajetória da família Castilho, de classe média baixa, é narrada com tintas carregadas e traços cartunescos que remetem ao universo "podreira" de Robert Crumb. São quatro irmãos. Dois deles, o primogênito Monk (Leonardo Medeiros) e o mentecapto Lupa (Milhem Cortaz), roubam carros, como o pai, Oswaldão (Paulo César Peréio), que acaba de morrer. O caçula, Slide (Gabriel Pinheiro), anda de skate e pratica pequenos furtos. Assim como Monk, que poderia ter sido um campeão (sim, o personagem é puro clichê), Slide tem talento para o boxe. A bela Magali (Maria Manuela) é a irmã que toca teclados numa churrascaria e se esquiva das investidas de Gomes (Jonas Bloch), dono de um desmanche, empresário de boxe e gângster local. Estamos diante de uma espécie de "Rocco e seus Irmãos" da marginália, sem grandeza e sem poesia. Às vezes o fantasma do velho Oswaldão aparece para cada um dos filhos, como um Hamlet pervertido. E há, por fim, a enigmática Silvia (Maria Luisa Mendonça), com a qual cada um dos irmãos varões passa, ou deveria passar, uma noite de sexo. São as mulheres, Magali e Silvia, que refratam e iluminam o mundo escroto dos homens. São elas também, em grande parte graças ao talento das atrizes em cena, que conferem dimensão moral ao filme, impedindo-o de se refestelar na mera exibição do abjeto. "Opala" traz a última aparição de Dercy Gonçalves nas telas, vociferando palavrões com uma arma na mão. O filme é um pouco como Dercy: um pacote indigesto que se compra ou se rejeita por inteiro.

NOSSA VIDA NÃO CABE NUM OPALA
Produção: Brasil, 2008
Direção: Reinaldo Pinheiro
Com: Leonardo Medeiros, Milhem Cortaz, Jonas Bloch, Paulo César Peréio
Onde: em cartaz nos cines Reserva
Cultura, HSBC Belas Artes e circuito
Classificação indicativa: não recomendo para menores de 14 anos Avaliação: bom



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