São Paulo, sexta-feira, 15 de setembro de 2000

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"O AUTO DA COMPADECIDA"
O diretor Guel Arraes conta como deu um "golpe" na Globo para levar a história ao cinema
Série de TV que virou longa estréia hoje em 90 salas


DA REPORTAGEM LOCAL

"O Auto da Compadecida", peça escrita em 1955 por Ariano Suassuna, que virou série da rede Globo em 1999, estréia hoje em 90 salas de cinema do país.
Guel Arraes, diretor da série e do filme, conta, em entrevista à Folha, como deu um pequeno "golpe" na televisão para transformar a série em filme, na tentativa de aproximar dois gêneros distintos: a linguagem da TV e a do cinema.
Relata as histórias engraçadas de Chicó (interpretado por Selton Mello) e as malandragens para lá de inteligentes de João Grilo (Matheus Nachtergaele) no sertão da Paraíba e no além, diante de Deus e do diabo. A seguir, alguns trechos da entrevista com Arraes.

Folha - Você fez o caminho inverso com o "Auto". Primeiro fez para a TV e depois lançou no cinema.
Guel Arraes
- Isso foi uma circunstância. Tive a oportunidade de fazer na TV e fiz. Surgiu a chance de fazer a série em 35 mm, o que ajudou muito a levar a série para o cinema. Ali, a crítica é muito mais atenta. Eu batalhei muito para levar a série para o cinema porque acredito nela no cinema.

Folha - Como foi essa batalha?
Arraes
- A TV Globo nunca produziu um filme e sem querer ela produziu um filme.

Folha - Você deu um golpe na TV?
Arraes
- Uma voltinha, assim, em benefício da prole. Foi um golpe meio sem querer. Eu só tinha a fita da série. Convenci-os de que o filme deveria ser feito. O pessoal do Estação Botafogo ficou interessado. Eu achava que a gente merecia arriscar o "Auto" para o cinema.

Folha - Foi para a TV, de graça, para milhares de espectadores. Você não teme que o "Auto", no cinema, não tenha público?
Arraes
- Uma das coisas que eu notei é que muita gente não viu a série inteira. O "Auto" na série é quase um filme longo. Dá para ver inteira. Ver no cinema é totalmente diferente. Há cenas que dão muito impacto no cinema. Acho que é um filme também para crianças. É um filme familiar.

Folha - É a sua primeira experiência no cinema. Quais são as diferenças entre TV e cinema?
Arraes
- Fazer TV no Brasil, muitas vezes, é um privilégio. Eu adoro fazer televisão. Vários dos projetos que eu fiz na TV dariam filmes. Não fazia televisão por achar que eu era um criador de segunda. Ao contrário. Eu perdi esse complexo. Faço TV há 20 anos, e muitos dos projetos dariam filmes. O "Armação Ilimitada" é um exemplo. É claro que fico contente em fazer o primeiro longa. Na televisão, ninguém vê tudo de uma série. Nesse sentido, transformar a série em filme é gratificante, mas ainda é um rito de iniciação.

Folha - Quanto custou o filme?
Arraes
- A série custou R$ 2 milhões, e o filme, R$ 400 mil. É um filme bancado pela Globo.

Folha - Filmar em 35 mm é um privilégio, não?
Arraes
- Com certeza. O diretor Daniel Filho foi quem implantou isso, quem mais usou essa película para a TV. Foi idéia do Daniel fazer o "Auto" em 35mm. Daí, eu sugeri transformá-la em filme. Foi assim.

Folha - Você cortou uma hora da série para o cinema. Por quê?
Arraes
- Foi uma decisão minha como produtor. Eu já tinha lançado na TV. Era uma série grande, uma comédia de duas horas e 40 minutos. Uma comédia tem uma hora e 20 minutos. Uma hora e 40 minutos, já é uma comédia um pouco longa. Filme longo é muito difícil de conseguir distribuir, o público não aguenta. Eu mesmo sou assim. Penso duas vezes, antes de ir ver um filme de três horas de duração.
O "Auto" é praticamente fácil de cortar porque são pequenas aventuras, amarradas por dois personagens, que é a estrutura desse tipo de romance. Tudo o que amarra as histórias é a cena do céu, quando o João Grilo encontra Deus e o diabo.

Folha - Quem escolheu o Suassuna?
Arraes
- Eu. Sou fã dessa peça.

Folha - Como foi sua aproximação do texto do Suassuna?
Arraes
- É uma peça de época, que se passa em 30. Mas é uma peça atual. Enquanto houver pobre e rico no Brasil ela vai continuar atual. É uma espécie de vingança dos pobres. Estou falando de uma maneira bem simples porque a peça é bem singela mesmo. Conta como os pobres se viram, como eles usam a esperteza para sobreviver. A Nossa Senhora (interpretada por Fernanda Montenegro), uma hora fala: "A esperteza é a coragem dos pobres". O valor não é ser corajoso, é ser esperto.
Eu li o texto do Suassuna quando era criança. Aos poucos, fui percebendo que eu tinha uma relação muito mais atávica com Pernambuco. Nasci no Recife, mas meu trabalho na TV não tem nada de regional. Tinha até um certo complexo de falsa baiana. O "Auto" tem tudo a ver comigo.


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