Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O AUTO DA COMPADECIDA"
O diretor Guel Arraes conta como deu um "golpe" na Globo para levar a história ao cinema
Série de TV que virou longa estréia hoje em 90 salas
DA REPORTAGEM LOCAL
"O Auto da Compadecida", peça escrita em 1955 por Ariano
Suassuna, que virou série da rede
Globo em 1999, estréia hoje em 90
salas de cinema do país.
Guel Arraes, diretor da série e
do filme, conta, em entrevista à
Folha, como deu um pequeno
"golpe" na televisão para transformar a série em filme, na tentativa de aproximar dois gêneros
distintos: a linguagem da TV e a
do cinema.
Relata as histórias engraçadas
de Chicó (interpretado por Selton
Mello) e as malandragens para lá
de inteligentes de João Grilo (Matheus Nachtergaele) no sertão da
Paraíba e no além, diante de Deus
e do diabo. A seguir, alguns trechos da entrevista com Arraes.
Folha - Você fez o caminho inverso com o "Auto". Primeiro fez para
a TV e depois lançou no cinema.
Guel Arraes - Isso foi uma circunstância. Tive a oportunidade
de fazer na TV e fiz. Surgiu a
chance de fazer a série em 35 mm,
o que ajudou muito a levar a série
para o cinema. Ali, a crítica é muito mais atenta. Eu batalhei muito
para levar a série para o cinema
porque acredito nela no cinema.
Folha - Como foi essa batalha?
Arraes - A TV Globo nunca produziu um filme e sem querer ela
produziu um filme.
Folha - Você deu um golpe na TV?
Arraes - Uma voltinha, assim,
em benefício da prole. Foi um golpe meio sem querer. Eu só tinha a
fita da série. Convenci-os de que o
filme deveria ser feito. O pessoal
do Estação Botafogo ficou interessado. Eu achava que a gente
merecia arriscar o "Auto" para o
cinema.
Folha - Foi para a TV, de graça,
para milhares de espectadores. Você não teme que o "Auto", no cinema, não tenha público?
Arraes - Uma das coisas que eu
notei é que muita gente não viu a
série inteira. O "Auto" na série é
quase um filme longo. Dá para ver
inteira. Ver no cinema é totalmente diferente. Há cenas que
dão muito impacto no cinema.
Acho que é um filme também para crianças. É um filme familiar.
Folha - É a sua primeira experiência no cinema. Quais são as diferenças entre TV e cinema?
Arraes - Fazer TV no Brasil,
muitas vezes, é um privilégio. Eu
adoro fazer televisão. Vários dos
projetos que eu fiz na TV dariam
filmes. Não fazia televisão por
achar que eu era um criador de segunda. Ao contrário. Eu perdi esse complexo. Faço TV há 20 anos,
e muitos dos projetos dariam filmes. O "Armação Ilimitada" é um
exemplo. É claro que fico contente em fazer o primeiro longa. Na
televisão, ninguém vê tudo de
uma série. Nesse sentido, transformar a série em filme é gratificante, mas ainda é um rito de iniciação.
Folha - Quanto custou o filme?
Arraes - A série custou R$ 2 milhões, e o filme, R$ 400 mil. É um
filme bancado pela Globo.
Folha - Filmar em 35 mm é um privilégio, não?
Arraes - Com certeza. O diretor
Daniel Filho foi quem implantou
isso, quem mais usou essa película para a TV. Foi idéia do Daniel
fazer o "Auto" em 35mm. Daí, eu
sugeri transformá-la em filme. Foi
assim.
Folha - Você cortou uma hora da
série para o cinema. Por quê?
Arraes - Foi uma decisão minha
como produtor. Eu já tinha lançado na TV. Era uma série grande,
uma comédia de duas horas e 40
minutos. Uma comédia tem uma
hora e 20 minutos. Uma hora e 40
minutos, já é uma comédia um
pouco longa. Filme longo é muito
difícil de conseguir distribuir, o
público não aguenta. Eu mesmo
sou assim. Penso duas vezes, antes de ir ver um filme de três horas
de duração.
O "Auto" é praticamente fácil
de cortar porque são pequenas
aventuras, amarradas por dois
personagens, que é a estrutura
desse tipo de romance. Tudo o
que amarra as histórias é a cena
do céu, quando o João Grilo encontra Deus e o diabo.
Folha - Quem escolheu o Suassuna?
Arraes - Eu. Sou fã dessa peça.
Folha - Como foi sua aproximação
do texto do Suassuna?
Arraes - É uma peça de época,
que se passa em 30. Mas é uma peça atual. Enquanto houver pobre
e rico no Brasil ela vai continuar
atual. É uma espécie de vingança
dos pobres. Estou falando de uma
maneira bem simples porque a
peça é bem singela mesmo. Conta
como os pobres se viram, como
eles usam a esperteza para sobreviver. A Nossa Senhora (interpretada por Fernanda Montenegro),
uma hora fala: "A esperteza é a coragem dos pobres". O valor não é
ser corajoso, é ser esperto.
Eu li o texto do Suassuna quando era criança. Aos poucos, fui
percebendo que eu tinha uma relação muito mais atávica com
Pernambuco. Nasci no Recife,
mas meu trabalho na TV não tem
nada de regional. Tinha até um
certo complexo de falsa baiana. O
"Auto" tem tudo a ver comigo.
Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: No caminho da Mancha, contra moinhos de vento Próximo Texto: Cinema vira primo pobre da televisão em filme de Arraes Índice
|