São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2001

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LIVRO/LANÇAMENTO

"FOLHA EXPLICA MONTAIGNE"

Obra de apresentação cria síntese do pensamento que inventou a noção de sujeito

Marcelo Coelho faz leitura ensaística sobre filósofo francês

MANUEL DA COSTA PINTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O homem é um tema maravilhosamente vão, diverso e mutável", escreveu Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592) numa frase que é ao mesmo tempo um diagnóstico da condição humana e uma reflexão sobre a matéria-prima de seus "Ensaios", conjunto de mais de cem textos reunidos em três volumes, abordando desde assuntos filosóficos (a natureza, Deus, a moral, a morte) até temas domésticos (costumes, doenças, apetites, amizades, leituras), num mosaico que representa nada mais nada menos do que a invenção do "sujeito", postulando a experiência individual como ponto de partida para pensar a relação entre o homem e o mundo.
Essa pluralidade de motivos, costurados por uma linguagem maravilhosamente informal, constitui ao mesmo tempo o encanto e a dificuldade desse escritor singular. Por isso, o retrato do criador do gênero ensaio realizado por Marcelo Coelho em "Folha Explica Montaigne" é um verdadeiro prodígio, enfrentando as dificuldades de uma síntese e acrescentando encanto ao encanto natural de Montaigne.
Tudo aquilo que é preciso saber sobre ele está ali: as guerras religiosas entre católicos e huguenotes na França do século 16; o recolhimento de Montaigne no castelo de sua família em 1571, ano no qual começa a redigir os "Ensaios"; a célebre biblioteca em cujas vigas manda pintar máximas de escritores greco-latinos; a recuperação renascentista de um ceticismo que desafia as autoridades teológicas.
Mas o livro de Marcelo Coelho, colunista da Folha, vale sobretudo pela interpretação saborosa das astúcias semeadas por Montaigne em sua obra. É o caso da ponte que ele estabelece entre a gênese dos "Ensaios " e o contato que Montaigne teve com índio tupinambás levados do Brasil para a cidade de Rouen pelo viajante francês Villegagnon (tema do ensaio "Dos Canibais").
Marcado pela perda de seu grande amigo, o escritor Étienne La Boétie (autor do "Discurso sobre a Servidão Voluntária"), Montaigne teria começado a redigir os "Ensaios " como o auto-retrato que gostaria de ter recebido do amigo, fundando um dispositivo literário em que o mergulho na interioridade, paradoxalmente, só é possível se esse retrato de si for reconhecido pelo outro.
O reconhecimento da alteridade, por sua vez, irá imantar o conjunto dos "Ensaios", criando uma idéia de abertura para a diferença que faz de Montaigne um precursor da antropologia contemporânea, conforme detecta Marcelo Coelho:
"A ausência de preconceitos, e um olhar que, mesmo sendo irônico, nunca é cínico nem oblíquo, ressalta nesse trecho de Montaigne, que constitui um marco decisivo na história do pensamento europeu. De forma meramente especulativa, poderíamos dizer que os índios vindos de outra metade, até então desconhecida, do mundo forneceriam a Montaigne uma experiência de complementaridade, de contraponto, de comentário, de duplicação a um "eu", a uma consciência cuja melhor parte havia sido amputada pela morte. Daí que o mais estranho e selvagem tenda a ser recebido, por Montaigne, como o mais familiar e compreensível: o exótico lhe serve de espelho".
Em "Folha Explica Montaigne", portanto, Coelho vai além do levantamento histórico-biográfico e seleciona, no serpentário temático da escrita montaigniana, elementos que revelam uma leitura muito pessoal do escritor francês: uma leitura de ensaísta.


Manuel da Costa Pinto é jornalista, editor da revista "Cult" e autor de "Albert Camus, um Elogio do Ensaio"


Folha Explica Montaigne
    
Autor: Marcelo Coelho
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90




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