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LIVRO/LANÇAMENTO
"FOLHA EXPLICA MONTAIGNE"
Obra de apresentação cria síntese do pensamento que inventou a noção de sujeito
Marcelo Coelho faz leitura ensaística sobre filósofo francês
MANUEL DA COSTA PINTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O homem é um tema maravilhosamente vão, diverso e mutável", escreveu Michel
Eyquem de Montaigne (1533-1592) numa frase que é ao mesmo
tempo um diagnóstico da condição humana e uma reflexão sobre
a matéria-prima de seus "Ensaios", conjunto de mais de cem
textos reunidos em três volumes,
abordando desde assuntos filosóficos (a natureza, Deus, a moral, a
morte) até temas domésticos
(costumes, doenças, apetites,
amizades, leituras), num mosaico
que representa nada mais nada
menos do que a invenção do "sujeito", postulando a experiência
individual como ponto de partida
para pensar a relação entre o homem e o mundo.
Essa pluralidade de motivos,
costurados por uma linguagem
maravilhosamente informal,
constitui ao mesmo tempo o encanto e a dificuldade desse escritor singular. Por isso, o retrato do
criador do gênero ensaio realizado por Marcelo Coelho em "Folha
Explica Montaigne" é um verdadeiro prodígio, enfrentando as dificuldades de uma síntese e acrescentando encanto ao encanto natural de Montaigne.
Tudo aquilo que é preciso saber
sobre ele está ali: as guerras religiosas entre católicos e huguenotes na França do século 16; o recolhimento de Montaigne no castelo
de sua família em 1571, ano no
qual começa a redigir os "Ensaios"; a célebre biblioteca em cujas vigas manda pintar máximas
de escritores greco-latinos; a recuperação renascentista de um ceticismo que desafia as autoridades
teológicas.
Mas o livro de Marcelo Coelho,
colunista da Folha, vale sobretudo pela interpretação saborosa
das astúcias semeadas por Montaigne em sua obra. É o caso da
ponte que ele estabelece entre a
gênese dos "Ensaios " e o contato
que Montaigne teve com índio tupinambás levados do Brasil para a
cidade de Rouen pelo viajante
francês Villegagnon (tema do ensaio "Dos Canibais").
Marcado pela perda de seu
grande amigo, o escritor Étienne
La Boétie (autor do "Discurso sobre a Servidão Voluntária"),
Montaigne teria começado a redigir os "Ensaios " como o auto-retrato que gostaria de ter recebido
do amigo, fundando um dispositivo literário em que o mergulho
na interioridade, paradoxalmente, só é possível se esse retrato de si
for reconhecido pelo outro.
O reconhecimento da alteridade, por sua vez, irá imantar o conjunto dos "Ensaios", criando uma
idéia de abertura para a diferença
que faz de Montaigne um precursor da antropologia contemporânea, conforme detecta Marcelo
Coelho:
"A ausência de preconceitos, e
um olhar que, mesmo sendo irônico, nunca é cínico nem oblíquo,
ressalta nesse trecho de Montaigne, que constitui um marco decisivo na história do pensamento
europeu. De forma meramente
especulativa, poderíamos dizer
que os índios vindos de outra metade, até então desconhecida, do
mundo forneceriam a Montaigne
uma experiência de complementaridade, de contraponto, de comentário, de duplicação a um
"eu", a uma consciência cuja melhor parte havia sido amputada
pela morte. Daí que o mais estranho e selvagem tenda a ser recebido, por Montaigne, como o mais
familiar e compreensível: o exótico lhe serve de espelho".
Em "Folha Explica Montaigne",
portanto, Coelho vai além do levantamento histórico-biográfico
e seleciona, no serpentário temático da escrita montaigniana, elementos que revelam uma leitura
muito pessoal do escritor francês:
uma leitura de ensaísta.
Manuel da Costa Pinto é jornalista, editor da revista "Cult" e autor de "Albert
Camus, um Elogio do Ensaio"
Folha Explica Montaigne
Autor: Marcelo Coelho
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90
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