São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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ARTE

Comunidade monta refúgios em cidades vizinhas e mantém contato para saber estado de obras após passagem de furacão

Artistas de Nova Orleans procuram rumo pós-Katrina

CAROL VOGEL
DO "NEW YORK TIMES"

A última imagem sombria que Jeffrey Cook guardou é a de um cachorro roendo o dedo de um morto. "Havia morte por toda parte", disse o artista multimídia de Nova Orleans. "Mesmo sendo um homem de 44 anos, chorei."
Como sua casa fica num dos pontos altos da cidade, não foi muito danificada. Assim, enquanto a maioria dos vizinhos fugiu, Cook continuou ali, não querendo abandonar sua vizinha de 83 anos, que se recusou a deixar a gata para trás. Sobrevivendo da água da piscina da vizinha, ele passou dias fazendo arte com o lixo que pegava nas ruas e tirando fotos da destruição, para que um dia as pessoas possam sentir o Katrina pelo olhar de um artista.
"Éramos as únicas pessoas que restaram naquele quarteirão. A gente se adaptava. Os saqueadores estavam vendendo pilhas por US$ 10 cada uma. Foi só quando ouvi tiros disparados no meio da noite e vi a luz de um helicóptero iluminando minha janela que soube que era hora de partir."
Cook viu mais do Katrina do que a maior parte da pequena comunidade artística de Nova Orleans. A maioria dos artistas foi morar com amigos ou está hospedada em hotéis. Como não foram autorizados a voltar para casa, até agora só ouvem boatos sobre o estado em que se encontram suas casas, seus ateliês e suas obras.
"Somos uma comunidade forte, unida", disse o pintor Willie Birch, 66. "Vamos sobreviver." Mas muitos trabalhos não.
John T. Scott, um escultor local que partiu para Houston de carro às 3h30 do dia em que o Katrina chegou à cidade, imagina ter perdido sua casa e seu ateliê. Uma grande retrospectiva sua no Museu de Arte de Nova Orleans terminou em 10 de julho, e pelo menos um terço das 199 peças da exposição estavam em seu ateliê no momento da passagem do furacão. O resto, diz Scott, estava na galeria de seu marchand, que não foi seriamente danificada.
Contudo, suas oito obras públicas, incluindo uma grande peça de arte cinética feita de aço e erguida às margens do rio, sobreviveram. "Esta peça já sobreviveu a cinco ou seis furacões", disse o escultor, "e ainda tem a mesma aparência de quando a fiz".
Arthur Roger disse que sua galeria agüentou bem, mas que o vandalismo o preocupa. Ele se mudou para Louisiana, onde espera montar uma galeria provisória. "A comunidade artística está procurando uma direção", disse.
A pintora Lory Lockwood se refugiou em Houston. "O cenário artístico de Nova Orleans era vibrante. Agora nenhum de nós vai poder voltar por muito tempo. É um momento de fragilidade. Sei que deveria estar trabalhando, mas não consigo. Gostaria de fazer algo que me levasse para longe de tudo. Mas não sei o quê."


Tradução Clara Allain

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