São Paulo, sábado, 15 de setembro de 2007

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crítica

Escritor faz prosa segura e melancólica

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

É quase natural que, depois de um romance com o alcance e a dificuldade de "Complô contra a América", Philip Roth optasse, na obra seguinte, por algo mais ameno. E "Homem Comum" talvez seja isso, um divertimento em tom melancólico, um exercício de ficção sobre a inevitabilidade da morte traçado com linhas calmas e seguras.
Não há aqui a força erótica de um Nathan Zuckerman da primeira fase nem a observação obsessiva do mundo do mesmo personagem na sua "segunda vida", não há aqui o exagero de um David Kepesh nem as tensões duplicadas da criatura artística Philip Roth (protagonista do livro anterior e de "Operação Shylock", por exemplo).
Trata-se da história desse homem comum, que enfrenta doenças ao longo de sua existência, se casa algumas vezes, tem um irmão e filhos (com dois não se dá bem), exerce com sucesso uma profissão e gosta de pintar.
Como pastas retiradas de um arquivo imaginário, é a memória de alguns desses momentos que compõe a obra, a partir do instante derradeiro: "Em torno da sepultura, no cemitério mal-cuidado, reuniam-se alguns de seus ex-colegas de trabalho da agência publicitária nova-iorquina, relembrando sua energia e originalidade..." (vale ressaltar a tradução caprichada de Paulo Henriques Britto).
O título ("Everyman", no original) remete a uma peça inglesa do século 15, de autoria desconhecida, na qual o personagem central é convocado pela Morte a avaliar sua vida. Nessa transposição para o século 21, o cristianismo exacerbado dá lugar a um judaísmo acomodado e a alegoria se dissolve numa espécie de "história da vida privada" que não se quer exemplar, mas que se reafirma no que tem de único, ainda que infimamente único.
Resta saber se, depois do "descanso", virá a tempestade. Em seu próximo livro, "Exit Ghost", que deve ser lançado no início do mês que vem nos Estados Unidos, Philip Roth supostamente põe fim à saga literária de sua maior invenção, Nathan Zuckerman, que começou em 1979 com "The Ghost Writer" e prosseguiu com outras sete obras (entre elas, "Lição de Anatomia", "O Avesso da Vida", "Pastoral Americana" e "A Marca Humana").


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

HOMEM COMUM
Autor:
Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (136 págs.)
Avaliação: ótimo


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