|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
crítica
Escritor faz prosa segura e melancólica
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
É quase natural que,
depois de um romance com o alcance e a
dificuldade de "Complô contra a América", Philip Roth
optasse, na obra seguinte,
por algo mais ameno. E "Homem Comum" talvez seja isso, um divertimento em tom
melancólico, um exercício de
ficção sobre a inevitabilidade
da morte traçado com linhas
calmas e seguras.
Não há aqui a força erótica
de um Nathan Zuckerman da
primeira fase nem a observação obsessiva do mundo do
mesmo personagem na sua
"segunda vida", não há aqui o
exagero de um David Kepesh
nem as tensões duplicadas
da criatura artística Philip
Roth (protagonista do livro
anterior e de "Operação
Shylock", por exemplo).
Trata-se da história desse
homem comum, que enfrenta doenças ao longo de sua
existência, se casa algumas
vezes, tem um irmão e filhos
(com dois não se dá bem),
exerce com sucesso uma
profissão e gosta de pintar.
Como pastas retiradas de
um arquivo imaginário, é a
memória de alguns desses
momentos que compõe a
obra, a partir do instante
derradeiro: "Em torno da sepultura, no cemitério mal-cuidado, reuniam-se alguns
de seus ex-colegas de trabalho da agência publicitária
nova-iorquina, relembrando
sua energia e originalidade..." (vale ressaltar a tradução caprichada de Paulo
Henriques Britto).
O título ("Everyman", no
original) remete a uma peça
inglesa do século 15, de autoria desconhecida, na qual o
personagem central é convocado pela Morte a avaliar sua
vida. Nessa transposição para o século 21, o cristianismo
exacerbado dá lugar a um judaísmo acomodado e a alegoria se dissolve numa espécie
de "história da vida privada"
que não se quer exemplar,
mas que se reafirma no que
tem de único, ainda que infimamente único.
Resta saber se, depois do
"descanso", virá a tempestade. Em seu próximo livro,
"Exit Ghost", que deve ser
lançado no início do mês que
vem nos Estados Unidos,
Philip Roth supostamente
põe fim à saga literária de sua
maior invenção, Nathan
Zuckerman, que começou
em 1979 com "The Ghost
Writer" e prosseguiu com
outras sete obras (entre elas,
"Lição de Anatomia", "O
Avesso da Vida", "Pastoral
Americana" e "A Marca Humana").
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP
HOMEM COMUM
Autor: Philip Roth
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 31 (136 págs.)
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: Roth no cinema Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|