São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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Vade retro "Dogma"


Deus é mulher, tem uma musa stripper sob seu comando e um Jesus sorridente ao seu lado, em filme que acendeu a ira nos EUA e já provoca protestos de católicos no Brasil, nove meses antes de sua estréia


DENISE MOTA
da Redação

Neste mês, o Ministério da Justiça estará às voltas com uma tarefa no mínimo transcendental: fazer cumprir "a Lei de Deus", impedindo a "investida de satanás e seus asseclas".
Os termos acima se encontram no texto da campanha "Vinde Nossa Senhora de Fátima, Não Tardeis", articulada pela TFP (organização católica Tradição, Família e Propriedade), cuja missão é entregar uma petição - que espera contar com o apoio de 1,1 milhão de pessoas- ao ministro José Carlos Dias.
O objetivo é fazer com que a controversa comédia "Dogma" - que tem estréia prevista nos Estados Unidos para 12 de novembro (e não mantém relação com o movimento cinematográfico escandinavo homônimo)- passe ao largo no Brasil, onde deve ser exibida a partir de julho do próximo ano.
A cruzada tem munição de sobra para atacar. Se não, o que dizer de um filme em que:
1) Deus é mulher;
2) uma de suas criaturas inspiradoras da humanidade (Salma Hayek) trabalha na Terra fazendo strip-tease;
3) a Virgem Maria teve vários filhos após Jesus e, portanto, de virgem não tem nada;
4) uma de suas descendentes trabalha numa clínica de abortos;
5) existe um 13º apóstolo, negro e banido dos Evangelhos;
6) Moisés é chamado, por um anjo, de "bêbado".
Definido como um filme "criado por uma mente doentia" pelo coordenador da campanha brasileira, Marcos Luís Garcia, "Dogma" -dirigido pelo ator e roteirista Kevin Smith- já se transformou em "um atentado contra as famílias do país de maior população católica do mundo".
"Esse filme desrespeita a fé da maioria do povo brasileiro, a religião católica, a única verdadeira", afirma Garcia.
Segundo ele, o pedido de adesão ao protesto foi enviado para 300 mil pessoas, numa carta em que é também solicitada a contribuição de R$ 20, R$ 30 ou R$ 50 para que o texto seja mandado para mais "800 mil famílias".
"A campanha conta apenas com o apoio de católicos autênticos. Não temos a ajuda da mídia milionária e, por isso, convidamos todos os fiéis a colaborar nessa luta. É difícil precisar o número exato de pessoas que estão recebendo a petição. Naturalmente, quanto mais assinaturas conseguirmos, mais petições enviaremos ao ministro", diz.
O "brado de inconformidade filial" -como se auto-classifica a empreitada- imita protestos da Liga Católica Americana e da campanha "America Needs Fatima" (a América precisa de Fátima), em curso nos EUA.
Mesmo que o filme resista e chegue ao Brasil, os adeptos da "Vinde, Nossa Senhora..." não se darão por vencidos. "Se as autoridades permitirem esse desrespeito à religião, poderemos promover, por exemplo, protestos em frente a cinemas."

A história
"Dogma" já sobreviveu a outros problemas. Após concluído, o filme foi recusado pela Miramax, que o distribuiria nos EUA. Conseguiu ser aceito pela Lion's Gate, que se encarregará de sua distribuição nos cinemas norte-americanos. No Brasil, a exibição ficou a cargo da Lumière.
Filmado com US$ 5 milhões, "Dogma" é uma comédia em que uma mulher comum é escolhida para salvar o mundo depois que dois anjos caídos tentam voltar ao céu.
A predestinada é Bethany (Linda Fiorentino), funcionária de uma clínica de abortos - ela mesma vítima de um-, que descende da família de Jesus.
Bethany é cooptada por um anjo para impedir que Loki (Matt Damon) -anjo da morte que, entre outras coisas, foi responsável pelo dilúvio e pela destruição de Sodoma e Gomorra- e Bartleby (Ben Affleck), seu companheiro, voltem ao paraíso.
Bêbados, os dois se negaram a continuar "matando em nome de Deus" e foram condenados a viver num lugar "pior do que o inferno": Wisconsin (EUA). Cabe a Bethany impedir que eles consigam retornar ao céu porque, se isso acontecer, estaria provado que Deus, ao contrário do que a humanidade se acostumou a pensar, não é infalível.
"Quis fazer o público rir... Tudo começou com dúvidas sobre minha própria fé, mas ninguém deve pensar que defendo com o filme alguma tese", disse o diretor.
A via-crúcis de protestos, criada por onde o filme passa, é semelhante à já trilhada por outros longas também indesejados pelos católicos mais fervorosos, como "Je Vous Salue Marie", "A Última Tentação de Cristo" ou "O Padre". A diferença é que "Dogma" faz o caminho às gargalhadas.


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