São Paulo, Sexta-feira, 15 de Outubro de 1999
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CURTA-METRAGEM
Filmes desvelam racismo cordial no país

CRISTIAN AVELLO CANCINO
free-lance para a Folha

Há uma comunidade que agoniza no interior de Goiás, muito embora seus habitantes digam gostar de viver por lá uma existência impregnada de nostalgia e incerteza. São os personagens do curta-metragem "Negros de Cedro", de Manfredo Caldas, que abre hoje, às 18h, mais uma quinzena do ciclo Curta às Seis, no Espaço Unibanco.
Na verdade, trata-se de personagens de uma história longa, exemplares tardios da colonização portuguesa, que confinou os negros brasileiros à margem insuportável do esquecimento, representada no documentário de Caldas pela região erma chamada Cedro, que, após a lei Áurea, outorgou a alguns ex-escravos a fertilização de suas terras descampadas.
Hoje, ainda estão por lá os descendentes desses escravos, mas, como se não houvesse fim para a intolerância da colonização, chegam agora brancos endinheirados, pilotando tratores, ceifando o que vêem pela frente.
O registro desse processo extemporâneo de dominação levou quatro prêmios no 31º Festival de Brasília, realizado no ano passado.
Se "Negros de Cedro" trata do esquecimento e da intolerância, "O Melhor Amigo do Homem", de Tânia Savieto, com fotografia de Aloysio Raulino, é um curta sem diálogos sobre a dissimulação do preconceito. Por isso mesmo é sem palavras, mostra apenas imagens de um treinamento de cães pastores alemães. O alvo de seus ataques é um negro robusto, zombeteiro, que atiça a ferocidade dos cães com uma dança debochada e ritualística, um negro que carnifica a violência urbana.
É provável que os donos dos cães que participaram daquela filmagem nem soubessem que estavam domesticando seus animais para o exercício do preconceito, mas o filme diz muito sobre uma sociedade que não discute o racismo, que prefere encobri-lo com o silêncio, desempenhando aquilo a que se deu o nome de "racismo cordial".
O mesmo ponto é apenas roçado por "Viver a Vida", de Tata Amaral. Este mostra um office boy que, apesar de ser tratado como burro de carga, se diverte enganando sua chefe, que, por sua vez, é pressionada por um patrão "mauricinho" e intolerante. São personagens caricaturais, divertidos, não deixam de transparecer suas ambiguidades e preconceitos, mas o filme embarca num roteiro condescendente, subliminar.
Mais direto é "Padre Mestre", que completa o programa deste Curta às Seis. Fala de José Maurício Nunes Garcia, padre negro que criou uma obra musical consistente no Rio colonial.


Ciclo: Curta às Seis Quando: de 15 a 29 de outubro, sempre às 18h Onde: Espaço Unibanco (r. Augusta, 1.475, tel.: 0/xx/11/288-6780) Quanto: entrada franca


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