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ARTES PLÁSTICAS
Exposição no Centro de Arte Hélio Oiticica é a mais completa da carreira de Nuno Ramos e traz dois trabalhos inéditos
Obra suscita "decifra-me ou devoro-te"
JULIANA MONACHESI
enviada especial ao Rio
O que é, o que é? Preenche, expele, transborda, escorre, pinga,
apaga. Por mais matéria que possua, mais desmaterializado fica.
Descaracteriza tudo mas mantém
as singularidades. O enigma Nuno Ramos pode ser decifrado na
exposição do artista plástico, no
Centro de Arte Hélio Oiticica.
Seu Arnaldo, o oleiro que construiu cuidadosamente cada um
dos vasos que se vêem logo à entrada da mostra, não hesitou muito em decifrar o trabalho de Nuno
tão logo soube que seus vasos seriam espatifados a golpes de marreta para perfazer a instalação
"Vaso Ruim" do artista: "Tu és
maluco mesmo".
Menos radicais que essa decifração são as dos curadores da primeira panorâmica do criador de
"111", instalação sobre o massacre
do Carandiru exposta na Bienal
de 94. Alberto Tassinari e Rodrigo
Naves caracterizam a obra de Nuno como "união de impossíveis" e
"concentração de forças", respectivamente.
Impossíveis são desde os elementos que Nuno incorpora às
pinturas -espelhos, tecidos, folhas, tinta, metais, vaselina, parafina- até os conceitos que ele
conjuga em certas instalações, como visão e cegueira, representados em "Mácula": esculturas feitas de sal e breu têm como fundo
paredes cobertas de textos em
braile de letras gigantes.
Embora reúna trabalhos de todas as fases do artista, a exposição
no Centro de Arte Hélio Oiticica
deixa de fora obras importantes
como "111" e "Craca", escultura
que ele apresentou na Bienal de
Veneza de 1995.
Isso porque a seleção procurou
não fragmentar trabalhos ("Mácula" é o único de que se apresenta apenas um excerto) e respeitar
as condições do prédio, construção de estilo neoclássico localizada no centro histórico do Rio.
As 18 obras expostas vão das
pinturas, linguagem em que Nuno estreou nas artes plásticas na
década de 80, integrando o grupo
Casa 7, às mais recentes esculturas, como "Manorá Preto" e "Casco". Esta última é uma obra inédita que faz referência à história do
navegador Shackelton, que quase
descobriu o Pólo, mas teve seu
barco preso no gelo.
O outro trabalho inédito da
mostra é uma pintura sem título,
em que o artista radicaliza ainda
mais a espacialidade sempre presente em seus quadros. Apesar do
volume, Nuno faz questão de
manter o chassi na obra: "Eu trabalho na fronteira dos gêneros,
como nos quadros, que têm uma
coisa já no limite do quadro, mas
acho que ainda é quadro; me
agrada pensar que ainda seja, que
as relações de cor, as relações com
o plano ainda estejam ali vivas".
Entender sua obra dentro da
tradição da pintura "matérica",
imaginando as esculturas de toneladas como mero prolongamento dessa linguagem pode ser
uma leitura rasa. "Eu não me deixei identificar com a matéria apenas pelo peso, embora também
muito por isso, quer dizer, o ar
também é matéria."
"Acho que a região que eu habito é uma região um pouco de fusão das coisas. Talvez por isso a
vaselina me interesse muito, porque ela é intermediária: eu gosto
das coisas meio crepusculares,
entre noite e dia, entre sólido e líquido, entre velho e novo; nas cores sempre os tons, não as cores,
sempre a coisa um pouco assim
na borda", explica.
Nuno exemplifica descrevendo
"Manorá Preto", uma escultura
de granito escuro com um sulco
no meio preenchido por vaselina
misturada a cinzas, em que está
mergulhada outra peça de granito, que provoca o transbordamento da vaselina:
"A pedra do jeito que está eu detesto, mas quando a vaselina cai, a
pedra vira outra coisa, ela amolece, o contorno externo some, a
matéria serve para desmaterializar também, para criar similitudes, apagamentos, para preencher o que estava vazio. Não é
uma chamada à corporiedade, esses terrenos meio pantanosos é
que eu acho bonito. Está tudo
meio se fundindo em tudo como
se fosse aquela hora em que a individuação ainda existe mas as
propriedades já estão se relacionando com as do corpo ao lado".
Na mostra, a fronteira entre individuação e fusão pode ser apreciada também da perspectiva da
troca de qualidades. Na instalação
"Vidrotexto", por exemplo, as folhas de vidro que repousam sobre
o texto escrito no chão com vaselina foram moldados em folhas
secas de palmeira.
Nuno explica que trabalha com
uma idéia de "forma enfraquecida", ou seja, a forma nunca se determina inteiramente, não se encarna em um objeto singular. "Isso acho que tem a ver com uma
certa dificuldade de universalização que o mundo sofre hoje."
Para ele, a realização desta panorâmica fornece pela primeira
vez a chance de relacionar obras.
"No fundo é uma oportunidade
para encontrar uma certa identidade estilística em um trabalho
que se caracteriza por uma certa
fratura estilística", diz.
Depois do Centro de Arte Hélio
Oiticica, onde fica até 27 de novembro, a exposição de Nuno segue para São Paulo. Vai ser apresentada entre janeiro e março de
2000 no MAM, devido a uma parceria feita entre as instituições.
Segundo a diretora do Centro
de Arte, Vanda Klabin, os próximos artistas que devem expor lá
são Amilcar de Castro, Iole de
Freitas e Miguel Rio Branco.
Exposição: Nuno Ramos
Onde: Centro de Arte Hélio Oiticica (r.
Luis de Camões, 68, centro, Rio de
Janeiro, tel. 0/xx/21/232-2213)
Quando: ter. a sex., 12h às 20h; sáb. e
dom., 11h às 17h. Até 27/11
Quanto: entrada franca
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