São Paulo, terça-feira, 15 de outubro de 2002

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O escritor inglês reescreve "O Retrato de Dorian Gray", colocando o personagem criado em 1891 no final do século 20

A importância de ser Will Self

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Dorian Gray é um personagem que nunca envelhece, e assim parece ser também seu criador, o irlandês Oscar Wilde. Ele está mais uma vez de volta, agora dando ao escritor inglês Will Self a chance para outra ousadia. Em "Dorian", o esteta imaginado por Wilde é tomado por Self, que o obriga a fazer um longo passeio pelo final do século passado.
"Dorian - An Imitation" (ed. Viking, 288 págs, 16,99 libras) foi lançado na Inglaterra no dia 26 de setembro, fazendo com que a imprensa britânica se voltasse para Self, para Wilde, e, principalmente, para os motivos que levaram Will Self a reescrever "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, em uma "imitação", como diz o subtítulo do livro.
""Dorian" é meu romance fim-de-século", disse Self, 41, à Folha, em entrevista feita por e-mail, na última semana. Para ele, os temas são ainda a decadência, o culto ao superficial e a tragédia provocada pelo conservadorismo.
A origem de "Dorian" está em um convite recebido pelo escritor: realizar uma nova adaptação para o cinema de "O Retrato de Dorian Gray", publicado originalmente em 1891. "Uma série de idéias surgiram para mim", diz Self. "Particularmente uma: transportar a história para os anos 80 do século 20, porque é um tempo muito próximo daquele que Wilde tinha anunciado: a formação de uma cultura gay libertária e a obsessão com a superficialidade."
Will Self produziu 16 obras de ficção desde sua estréia, em 1985, ("Cock & Bull" e "Minha Idéia de Diversão" foram lançados no Brasil pela Geração Editorial), mas continua a ser mais conhecido por ter usado heroína no avião do primeiro-ministro inglês, durante a campanha eleitoral de 1997. O caso provocou sua demissão do jornal "The Observer".
Isso serve para aproximar Self de Wilde? Seriam os dois Dorians, dos séculos 19 e 20, a mesma pessoa? "No sentido em que são enigmas, a resposta é sim", diz ele.
"Wilde costumava descrever os personagens de "O Retrato de Dorian Gray" da seguinte forma", diz Self. ""Henry Wotton é como o mundo me vê, Basil Hallward é como eu realmente sou, e Dorian é como eu gostaria de ser". Mas é claro que isso não tem o menor sentido. No romance escrito por Wilde, Gray é unidimensional, vazio, um assassino perverso. Ele permanece dessa maneira em meu romance, e assim pode ser usado como uma tela na qual as obsessões e compulsões de uma era são projetadas."
Essas mesmas obsessões e compulsões serviriam, segundo Self, para demonstrar porque o fascínio por Wilde persiste, apesar de não ter sido fácil ou simples a relação entre o escritor e o público.
Para Will Self, algumas coisas nunca mudam, e a Inglaterra continua irritada com Oscar Wilde: "O país é, em sua raiz, homofóbico. Enquanto aos gays é permitida uma presença na vida pública, eles precisam ser também saneados. A realidade dos amantes do mesmo sexo é cuidadosamente circunscrita e neutralizada."
Assim, os anos 80 e 90 dos diferentes séculos são curiosamente semelhantes, com uma decadência semelhante? "Decadência é sempre decadência", diz. "Os dois períodos -o final dos séculos 19 e 20- têm notáveis similaridades, particularmente na cultura inglesa. O culto ao esteticismo de antes está agora espelhado no culto ao pós-modernismo, e os dois são comportamentos afetados".
E com Oscar Wilde a afetação é um risco. Como é então reescrever "O Retrato de Dorian Gray"? Com método, é a resposta de Self. "Dividi o trabalho original em suas partes essenciais", diz ele. "As diferentes cenas e, o mais importante, os aforismos de Wilde. Sua intenção era rebater as acusações de imoralidade e homossexualidade. Traduzi esses aforismos no idioma do século 20, descartei alguns, acrescentei outros. Depois, fiz o melhor para esquecer a versão de Oscar Wilde."
Com esse esquecimento, Self procurou não apenas atualizar Dorian Gray mas produzir uma obra nova e, para isso, sua estratégia foi a sátira. "Um gênero tão importante na ficção literária quanto a tragédia ou a comédia", como explica.
"Não sou exclusivamente satirista, mas a capacidade em meu trabalho de afligir os que estão em paz e confortar os aflitos permanece importante para mim", diz. "Mas esse nosso louco mundo nunca cessa de me surpreender. O desenvolvimento humano é capaz de criar sua própria sátira, algo maior do que a invenção de qualquer escritor."

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