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O escritor inglês reescreve "O Retrato de Dorian Gray", colocando o personagem criado em 1891 no final do século 20
A importância de ser Will Self
MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL
Dorian Gray é um personagem
que nunca envelhece, e assim parece ser também seu criador, o irlandês Oscar Wilde. Ele está mais
uma vez de volta, agora dando ao
escritor inglês Will Self a chance
para outra ousadia. Em "Dorian",
o esteta imaginado por Wilde é
tomado por Self, que o obriga a fazer um longo passeio pelo final do
século passado.
"Dorian - An Imitation" (ed. Viking, 288 págs, 16,99 libras) foi
lançado na Inglaterra no dia 26 de
setembro, fazendo com que a imprensa britânica se voltasse para
Self, para Wilde, e, principalmente, para os motivos que levaram
Will Self a reescrever "O Retrato
de Dorian Gray", de Oscar Wilde,
em uma "imitação", como diz o
subtítulo do livro.
""Dorian" é meu romance fim-de-século", disse Self, 41, à Folha,
em entrevista feita por e-mail, na
última semana. Para ele, os temas
são ainda a decadência, o culto ao
superficial e a tragédia provocada
pelo conservadorismo.
A origem de "Dorian" está em
um convite recebido pelo escritor:
realizar uma nova adaptação para
o cinema de "O Retrato de Dorian
Gray", publicado originalmente
em 1891. "Uma série de idéias surgiram para mim", diz Self. "Particularmente uma: transportar a
história para os anos 80 do século
20, porque é um tempo muito
próximo daquele que Wilde tinha
anunciado: a formação de uma
cultura gay libertária e a obsessão
com a superficialidade."
Will Self produziu 16 obras de
ficção desde sua estréia, em 1985,
("Cock & Bull" e "Minha Idéia de
Diversão" foram lançados no Brasil pela Geração Editorial), mas
continua a ser mais conhecido
por ter usado heroína no avião do
primeiro-ministro inglês, durante
a campanha eleitoral de 1997. O
caso provocou sua demissão do
jornal "The Observer".
Isso serve para aproximar Self
de Wilde? Seriam os dois Dorians,
dos séculos 19 e 20, a mesma pessoa? "No sentido em que são enigmas, a resposta é sim", diz ele.
"Wilde costumava descrever os
personagens de "O Retrato de Dorian Gray" da seguinte forma", diz
Self. ""Henry Wotton é como o
mundo me vê, Basil Hallward é
como eu realmente sou, e Dorian
é como eu gostaria de ser". Mas é
claro que isso não tem o menor
sentido. No romance escrito por
Wilde, Gray é unidimensional,
vazio, um assassino perverso. Ele
permanece dessa maneira em
meu romance, e assim pode ser
usado como uma tela na qual as
obsessões e compulsões de uma
era são projetadas."
Essas mesmas obsessões e compulsões serviriam, segundo Self,
para demonstrar porque o fascínio por Wilde persiste, apesar de
não ter sido fácil ou simples a relação entre o escritor e o público.
Para Will Self, algumas coisas
nunca mudam, e a Inglaterra continua irritada com Oscar Wilde:
"O país é, em sua raiz, homofóbico. Enquanto aos gays é permitida
uma presença na vida pública,
eles precisam ser também saneados. A realidade dos amantes do
mesmo sexo é cuidadosamente
circunscrita e neutralizada."
Assim, os anos 80 e 90 dos diferentes séculos são curiosamente
semelhantes, com uma decadência semelhante? "Decadência é
sempre decadência", diz. "Os dois
períodos -o final dos séculos 19 e
20- têm notáveis similaridades,
particularmente na cultura inglesa. O culto ao esteticismo de antes
está agora espelhado no culto ao
pós-modernismo, e os dois são
comportamentos afetados".
E com Oscar Wilde a afetação é
um risco. Como é então reescrever "O Retrato de Dorian Gray"?
Com método, é a resposta de Self.
"Dividi o trabalho original em
suas partes essenciais", diz ele.
"As diferentes cenas e, o mais importante, os aforismos de Wilde.
Sua intenção era rebater as acusações de imoralidade e homossexualidade. Traduzi esses aforismos no idioma do século 20, descartei alguns, acrescentei outros.
Depois, fiz o melhor para esquecer a versão de Oscar Wilde."
Com esse esquecimento, Self
procurou não apenas atualizar
Dorian Gray mas produzir uma
obra nova e, para isso, sua estratégia foi a sátira. "Um gênero tão
importante na ficção literária
quanto a tragédia ou a comédia",
como explica.
"Não sou exclusivamente satirista, mas a capacidade em meu
trabalho de afligir os que estão em
paz e confortar os aflitos permanece importante para mim", diz.
"Mas esse nosso louco mundo
nunca cessa de me surpreender. O
desenvolvimento humano é capaz de criar sua própria sátira, algo maior do que a invenção de
qualquer escritor."
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