São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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"ENTRE CASAIS"

O alemão Andreas Dresen traça cinzenta crônica do matrimônio

PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A calmaria no relacionamento humano, inexorável e, por isso, assustadora aos amásios, é dos assuntos paquerados pelo cinema, nesse seu infinito flerte entre o real e o espetacular. Porque do calvário de um casal em crise surge um tobogã semelhante aos dos enredos de ação, com os altos e baixos da cinematografia narrativa, mas sob chave mais próxima da vida comum.
Quase como uma utopia de amor "hippie", esta temática cruza fronteiras sob as mais variadas chaves cinematográficas, do cinema independente norte-americano às comédias ou discussões existenciais típicas do cinema moderno dos anos 60. "Entre Casais", de Andreas Dresen, é bom exemplo desta promiscuidade de referências intercontinentais.
Uwe (Axel Prahl) não é mal com sua mulher, Ellen (Steffi Kühnert), mas de uma rudeza e mau-humor insuportáveis, típicos de um casamento de 13 anos. Christian (Thorsten Merten) e Katrin (Gabriela Schmeide) tiveram a freqüência sexual interrompida, fruto também das milhas rodadas sob o mesmo teto. Em crise conjugal severa, Ellen e Chris acabam tendo um caso. Evento gravíssimo, uma vez que todos são amigos fidelíssimos. Não demora para que os consortes saibam.
E aí o filme de Dresen ganha corpo, abandonando a tentativa de ser "indie" americano -que sempre cria pontes entre personagem e espectador- e mergulhando num distanciamento cirúrgico, vizinho do Dogma 95, com exposição igual dos personagens na tela, sem expor claramente as motivações dos maridos e mulheres.
O espectador, lógico, sente-se traído e órfão, sem afinidade alguma com esses dois casais de chatos. Ainda que leve, o filme agride os estômagos acostumados com uma gastronomia dramatúrgica que elege os simpáticos e boas-praças da trama. E aqui não há homem e mulher charmosos, mas sim seres humanos opacos.
Talvez a intenção do diretor Dresen fosse somente a jocosa crônica comportamental americana, mas "Entre Casais" acaba por ser um (até curioso) "frankenstein" sobre o naufrágio da monogamia matrimonial.


Entre Casais
Halbe Treppe

  
Direção: Andreas Dresen
Produção: Alemanha, 2002
Com: Steffi Kühnert, Gabriela Maria Schmeide, Thorsten Merten
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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