São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

De discos voadores e extraterrestres

Vida em outros planetas, discos voadores, seres extraterrestres são temas recorrentes na mídia, em filmes e em congressos metidos a científicos. São temas habituais de conversas para enxugar gelo, quando se deixa de falar mal dos outros e cada um conta um caso de assombração. Houve época em que a pole position do assunto era ocupada pela mula-sem-cabeça, pelo saci-pererê e pelos diversos duendes, que, bons ou maus, mantinham ouriçada a imaginação de crianças e adultos.
Nenhuma dessas entidades folclóricas tentou se vender cientificamente, filosoficamente ou teologicamente, ao contrário dos extraterrestres, que, segundo alguns de seus crentes, chegam a ser deuses.
Convocado para um debate por pessoas bem-intencionadas, fui o desmancha-prazeres de sempre. Não cheguei a negar a possibilidade de vida em outros planetas, desde que fora do nosso sistema solar. O raciocínio é simples.
A fonte da vida como a nossa, dependente de carbono, oxigênio, hidrogênio e outros elementos, provém do Sol, uma estrela de quinta grandeza que expeliu a matéria que formaria os planetas que conhecemos. Cada um desses planetas criou um ambiente determinado pela distância de sua fonte de energia, que é o próprio Sol. Na Terra, a posição solar determina o verão e o inverno, de acordo com a rotação do nosso planeta, onde há regiões geladas e outras quentes demais, que em alguns casos impedem qualquer manifestação de vida.
Os planetas mais próximos do Sol seriam tão quentes que não poderia haver vida igual à nossa. Os mais distantes seriam tão gelados que a vida seria igualmente impossível. Basta comparar uma floresta tropical, como a da Amazônia, com as estepes russas ou com o continente gelado da Antártida, que distam uma das outras alguns quilômetros, uma insignificância em comparação com a distância entre a Terra e Marte ou Vênus, nossos vizinhos mais próximos.
Contudo, como o Sol não passa de uma estrela de quinta grandeza, é quase certo que estrelas maiores ou menores tenham planetas girando em torno de sua fonte de energia. É até possível que, entre os milhões de sóis existentes no espaço, haja alguns que mantêm uma distância proporcional à da Terra em relação ao seu sol. Donde uma vida bem parecida com a nossa seria provável.
Admitindo essa remota possibilidade (a da vida fora da Terra), pergunta-se a razão das visitas que, desde a remota Antigüidade, os extraterrestres fazem ao nosso planeta. Em forma de carro de fogo, como o que transportou o profeta Elias para o céu, até o mais recente disco voador, que foi visto, nesta semana, por um porteiro de prédio aqui na Lagoa, onde moro.
Levanto três hipóteses: 1) os discos voadores são tripulados por indivíduos pertencentes a uma civilização milhões de anos acima da nossa; 2) são tripulados por gente de uma civilização mais atrasada que a nossa; 3) são tripulados por gente igual à nossa.
Na primeira hipótese, o que viriam fazer aqui, num planeta atrasado e boçal, representantes de uma civilização que há milênios já teria atingido o estágio espiritual e material que se atribui aos extraterrestres? Uma civilização que já teria dominado a comunicação mental, a visão do presente, do passado e do futuro, a tecnologia capaz de vencer distâncias galácticas, usando forças magnéticas que não conhecemos.
Num tempo em que os profetas bíblicos, como Elias, andavam a pé ou montados em jumentos, os extraterrestres já viajavam em veículos bem mais adiantados do que as nossas naves espaciais de hoje.
Qual a finalidade dessas visitas: aprender o que já sabiam e superaram? Ensinar alguma coisa no plano moral ou material? Bem, eles respeitam o nosso livre-arbítrio, como o Deus judaico-cristão. Sabem que vamos fazer besteira, matar e ser mortos com nossas guerras, adoecer e morrer comendo carnes vermelhas. Assistem à humanidade caminhando para o mal e para a destruição, mas não interferem.
Lembremos os espanhóis e portugueses, que, nos séculos 15 e 16, tripulando os discos voadores daquele tempo, que eram as caravelas, chegaram a um mundo novo e encontraram uma humanidade que vivia na Idade da Pedra Lascada. Eles já estavam entrando na Renascença. Inicialmente, o contato foi pacífico: trocaram espelhinhos e facas por mulheres e pau-brasil. Depois trouxeram Cristo. Trouxeram Caramuru, que deu um tiro de arcabuz e foi chamado de "filho do trovão". E foi aí que nossa história começou.
Na segunda hipótese, os extraterrestres seriam de uma civilização mais atrasada que a nossa. Como teriam chegado até aqui? E nada teriam aprendido com a gente? Bem ou mal, já temos os ônibus espaciais que vão e voltam lá de cima. Eles devem estar voando num troço parecido com o 14-Bis, do Santos Dumont.
Finalmente, a terceira hipótese: esses visitantes espaciais estão num estágio de civilização igual ao nosso. Nesse caso, já seria tempo de um desses extraterrestres aparecer no programa do Jô Soares e melhorar o visual de formiga gigante com uma plástica feita pelo dr. Ivo Pitanguy.


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