São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2005

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LITERATURA

Consultados pela Folha, escritores e críticos literários avaliam nomes brasileiros para o principal prêmio mundial

Especialistas sugerem Gullar para o Nobel

JULIÁN FUKS
DA REPORTAGEM LOCAL

"A nossa literatura é galho secundário da portuguesa, por sua vez arbusto de segunda ordem no jardim das Musas...", escreveu Antonio Candido em 1957, no prefácio para seu clássico "Formação da Literatura Brasileira". Difícil é compreender se a afirmação encerra um juízo auto-imposto ou se simplesmente reflete a visão que teriam os estrangeiros de nossa produção.
Lygia Fagundes Telles parece acreditar na segunda opção. Na última quinta, poucas horas após o anúncio do dramaturgo inglês Harold Pinter como vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2005, a escritora, em Portugal, declarou-se insatisfeita com a escolha. "Algum dia, quem sabe, se lembrarão do Brasil", disse Telles, amargamente.
Tomando a declaração como ponto de partida, a Folha realizou entrevistas com críticos literários e escritores diversos, indagando quem seria, atualmente, o nome mais forte da literatura brasileira para receber o prestigiado prêmio, levando em conta que só os vivos podem ser agraciados. O resultado surpreendeu pela supremacia de um candidato: cinco dos oito entrevistados citaram com alguma veemência o nome de Ferreira Gullar, colunista da Folha. Três deles -Milton Hatoum, Antonio Carlos Secchin e Murilo Marcondes de Moura- afirmando tratar-se do "maior poeta brasileiro vivo".
Os outros favoráveis são o professor Alcides Villaça e o escritor Luiz Ruffato, este mencionando também Telles. Manuel da Costa Pinto, ainda, chegou a citar Gullar, mas acabou sendo excluído da contagem pelas sucessivas ressalvas que fez, relativas ao fato de que os brasileiros que mais mereciam ganhar já estão mortos (sua lista seria encabeçada por João Guimarães Rosa e Clarice Lispector). Silviano Santiago, por sua vez, preferiu não citar nomes. O oitavo, o próprio Gullar, também furtou-se da automenção.
Entre os participantes, é preciso ressaltar, a posição de Secchin era previsível. Foi ele o responsável por aportar em Estocolmo, em 2002, com um dossiê contendo uma biografia de Gullar, uma tradução de seus poemas a diversas línguas e um abaixo-assinado em que constavam importantes nomes das letras nacionais e internacionais. A intenção era clara: torná-lo o segundo escritor de língua portuguesa laureado pelo prêmio, depois de José Saramago, em 98.
O lobby não vingou. Mas pode ter deixado a impressão de que, talvez, em outras circunstâncias, o poeta pudesse ser agraciado. Se mereceria mais que Rosa, Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto, autores citados por especialistas, parece não ser a questão principal. O fato é que faltou pressão.
Para Santiago, em se tratando de Nobel, a questão nacional vale pouco: "Falta uma política cultural de peso, semelhante à de Portugal por trás de Saramago ou a mexicana por trás de Octavio Paz". O Nobel é um prêmio político, afirma, e nisso tem a concordância dos demais.
Parece unânime a consciência de que um possível prêmio dado a um brasileiro não dependerá jamais da boa memória dos suecos. Para que aconteça, concordam, será necessária uma ampla manifestação política, institucional e cultural, o que acreditam jamais ter havido nestas terras -férteis, vale lembrar.
Quanto a Gullar, afirma vagamente que alguns escritores brasileiros mereceriam o prêmio, mas prefere não citar nomes, "para não discriminar". E diz não pensar na possibilidade de que o seu venha de fato à tona: "Não faz parte das minhas preocupações e não sei se estou no nível de merecer essa distinção".
A esta mesma pergunta, os outros escritores entrevistados deram respostas semelhantes. Luiz Ruffato inclusive lamentando a atitude dos que escrevem apenas para conseguir prêmios. A Hatoum restou a piada final: "Só minha mãe pensa nisso". Para azar do filho, ela vive nas entranhas da floresta amazônica, distante até de nosso arbusto local.


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