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TEATRO
Seis anos depois, texto de Aimar Labaki ganha remontagem assinada por Reginaldo Nascimento na praça Roosevelt
Peça especula sobre "fracasso da bondade"
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Seis anos atrás, quando foi
montada pela primeira vez, a peça
"A Boa" repercutiu como uma
paulada na esmola social. Lula vinha de perder sua terceira eleição
e talvez já esboçasse o Fome Zero
para o dia em que chegasse lá. São
Paulo não tinha amanhecido com
mendigos massacrados em calçadas do centro. E o cineasta Sérgio
Bianchi ainda não havia lançado
"Quanto Vale ou É Por Quilo?".
O texto de Aimar Labaki ganha
nova montagem na cidade reforçado pelo debate, pelo menos em
alguns segmentos da sociedade,
de noções de assistencialismo, paternalismo, voluntariado e afins.
O autor expõe conflito entre o desejo de ser bom e o fracasso da
bondade ou suas contradições.
A peça promove o reencontro
de dois jovens que um dia se conheceram na faculdade. Ricardo
vive na rua, mendigo a pregar versos bíblicos. Verônica é rica e solitária; vê naquela trombada do
acaso a chance para desaguar o
poço de generosidade que imagina guardar dentro de si.
Decidida a "devolvê-lo à civilização", tal qual um Kaspar Hauser (o jovem mudo encontrado na
Alemanha do século 19 com um
livro de orações), Verônica "resgata" o rapaz para a sua casa.
Lá pelas tantas, Ricardo diz que
perdeu seu passado na primeira
noite que dormiu ao relento. "A
gente sempre acha que o mal é a
falta de conhecimento. Ledo engano. O bem é que é ingênuo e
mal informado", afirma o rapaz,
procurando desconversar das responsabilidades de uma certa Corporação da qual seria presidente.
Ética e política, filantropia e revolução são algumas das entrelinhas com as quais o diretor Reginaldo Nascimento procura trabalhar na encenação de "A Boa", em cartaz a partir de hoje no Espaço
dos Satyros 2, na praça Franklin
Roosevelt, em São Paulo.
"Às vezes, o bem ganha contornos de mal", diz Nascimento, 29.
Ele está ligado à Kaus Cia. Experimental (de "Vereda da Salvação",
texto de Jorge de Andrade) e foi
convidado a dirigir os atores Igor
Kovalewski e Ana Paula Vieira,
nos papéis que foram interpretados, na primeira montagem, por
Milhem Cortaz e Ana Kutner, dirigidos por Ivan Feijó.
Visto recentemente em "O Mata-Burro" (Cia. dos Dramaturgos), no Centro Cultural São Paulo, Kovalewski desce agora a outro porão, com os longos cabelos e
barba acentuando a perspectiva
cristã presente nos diálogos.
Apesar do contexto urbano sugerido pelo texto, Nascimento
acha que a história cabe em qualquer lugar. Como diz Ricardo, a
rua é um planeta.
O diretor quer enfatizar a proximidade de público e atores dispostos numa atmosfera intimista,
compartilhar solidões.
A cenografia de Robson Stancov traz elementos que remetem
aos ambientes da peça: a rua, a casa e a corporação. Nos figurinos,
Helena Moraes tenta traduzir a
condição social das personagens.
Em 2002, "A Boa" foi montada
em Salvador pelo diretor Gil Vicente Tavares, com a Cia. de Teatro Contemporâneo, em projeto
que contou com a parceria de
uma ONG. No mesmo ano, a peça
foi publicada pela Boitempo.
De certa forma, a corrosão de
certos diálogos de "A Boa" encontra encontra eco em "Prego na
Testa", o texto do americano Eric
Bosogian que Aimar Labaki traduziu e dirigiu há pouco, protagonizado por Hugo Possolo.
Como ilustra este diálogo entre
Ricardo e Verônica, cuja sedução
"do bem" inclui até o sexo: "Você
não pode ser tão burra! Eu falei,
eu te avisei, você não me escutou.
Eu disse: eu estou na rua por que
não caibo em lugar nenhum. E
atrás de mim vêm 10 milhões. E
não cabem 10 milhões na sua casa! Lembra?".
A Boa
Texto: Aimar Labaki
Direção: Reginaldo Nascimento
Com: Igor Kovalewski e Ana Paula Vieira
Quando: estréia hoje, às 19h; sáb., às
19h; e dom., às 18h. Até 18/12
Onde: Espaço dos Satyros 2 (pça.
Franklin Roosevelt, 124, centro, SP, tel.
0/xx/11/3258-6345)
Quanto: R$ 20
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