São Paulo, sábado, 15 de outubro de 2011

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ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Adeus aos Indies


Logo vestiu a carapuça e, como aquele fã do Restart, foi correndo xingar muito no Twitter

Atirei no que vi, acertei no que não vi, sobrou para mim. Falo de minha coluna passada, em que critiquei um nicho da MPB paulistana, o indie-sambinha, e a reverência que recebe da imprensa musical.
Escrevi que esses artistas, tão bajulados, acomodaram-se tocando em Sescs e no Studio SP, casa para 500 pessoas na rua Augusta.
A coluna tinha um evidente tom de provocação, mas não se dirigia a ninguém em especial. Avaliava, em termos gerais, o cenário independente ("indie"). Sua dificuldade -ou desinteresse- de atrair mais público, e sua dependência de esquemas estatais (editais de cultura) ou paraestatais (os Sescs).
Um jornalista da Ilustrada, setorista no lado ímpar do Baixo Augusta, não gostou. Vestiu a carapuça e, como aquele fã do Restart, foi correndo xingar muito no Twitter.
Diante da polêmica disparada pelo repórter -e do fato de ela ter sido descoberta na web por uma leitora, que a enviou à ombudsman-, a Ilustrada publicou uma reportagem, em 7/10, debatendo meu texto.
Nela, o setorista tuiteiro foi destaque. Suas palavras a meu respeito, antes restritas a seus parcos seguidores, ganharam espaço no jornal.
Ele aproveitou a chance. Reiterou as ofensas e garantiu não ser amigo do músico Thiago Pethit, a quem procurou no Twitter para atacar a coluna (deve ser assim no mundo dos 140 caracteres: quando a chapa esquenta, você entra lá e faz agrados a gente que mal conhece).
Também explicou sua filosofia jornalística: "Se o cara que está surgindo lança um disco ruim, você não vai gastar espaço com ele".
O "Guardian", grande jornal inglês, faz diferente. Não poupa artistas iniciantes. Semana passada, publicou uma crítica, de Peter Robinson, à novíssima geração pop, "the new boring" ("os novos chatos"). A música que fazem é, segundo o "Guardian", "beige pop". Tipo indie-sambinha. Veja: tiny.cc/56cc0.
Outra leitura iluminadora é a revista "Mojo" de outubro. Nela, Nick Kent rememora uma crítica brutal que fez a um show do Pink Floyd, em 1974, no semanário "NME".
Pouco depois, encontrou um músico do Floyd numa festa. Pronto para ser surrado, Kent teve uma surpresa.
Agradecido, o roqueiro disse que o ataque levara a banda a refletir -e a se tornar melhor. Sobre indie-sambinha, era isso.
Agora, vamos a outro ramo independente, citado de passagem na última coluna: o indie estatal. Com representantes em todo o Brasil, tem foco no financiamento público (embora aceite também ajuda privada).
Sua expressão maior é o Fora do Eixo, uma central que aglutina vários grupos produtores de arte.
O Fora do Eixo surgiu em 2005, em Cuiabá, e prosperou sob Gilberto Gil e Juca Ferreira no Ministério da Cultura. Com Ana de Hollanda, perdeu espaço. Há alguns meses, transferiu a sede para São Paulo.
Sua expressão-chave é "cadeia produtiva". Se você perguntar a um Fora do Eixo sobre o tempo, ele dirá que a "cadeia produtiva do processo de formação de cristais de gelo no interior de cúmulos-nimbos está se intensificando". Significa que vai chover.
Como quem os critica é rotulado de "direitista", indico esta análise de esquerda, de José Arbex Jr., sobre o FdE: tiny.cc/moyq6.
E recomendo vivamente esta entrevista do cantor China, também apresentador da MTV: tiny.cc/sao3j. Trata da necessidade -ou não- de o modelo Fora do Eixo existir. E discute até que ponto da carreira cabe pedir verba pública.
Como vimos, indie-sambinha e indie estatal não são iguais. Mas algumas coisas os unem. Como seu porto seguro paulistano, o Studio SP. Sobre este, escrevi que "opera em uma interface entre o mundo artístico e o político-partidário que prefiro não conhecer".
Na Ilustrada, o dono rebateu: "É natural que o novo modelo de negócios seja diferente dos jabás e da indústria com a qual ele está acostumado". Decifrar o que essa resposta tem a ver com o que eu disse é missão para um Champollion, um Alan Turing. Mas tento.
Como empresário bem relacionado e em rápida ascensão, é natural que o proprietário do Studio SP se veja cercado de uma claque. Talvez, nessa turma, haja jornalistas parceiros. Se houver, é isso: fui confundido com um deles. Esses, sim, sabem tudo de jabá. Adeus, indie-sambinha; adeus, indie estatal. Se possível, até nunca mais.

cby2k@uol.com.br

AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Ferreira Gullar




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