São Paulo, quinta, 15 de outubro de 1998

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TELEVISÃO
TV não perde uma eleição desde 1989

GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha

² Se o Carnaval é o acontecimento da raça, conforme poetou Oswald de Andrade, então as eleições presidenciais deveriam assumir um clima carnavalesco. A saturnália do voto. O carnaval da cidadania. A folia do povão, lúdico, alegre, orgiástico, brincalhão, dionisíaco, participativo.
Porém, não é nada disso o que se observa desde as eleições de 1989, pela primeira vez sob completa cobertura televisiva. Dir-se-ia que estamos menos para Rabelais do que para rainha Vitória. O vencedor do pleito não comemora nas ruas, assim como o povo não se interessa pelo resultado eleitoral.
A impressão que se tem é que, em vez de festa, temos o funeral das urnas.
O grande desafio das ciências sociais é explicar o motivo pelo qual a vigência do voto é mais tanatos do que eros. Eleições macabras, e não eufóricas. Isso não deixa de ser um fato psicológico estranho, principalmente levando em conta o longo jejum eleitoral durante o regime militar de 1964, cuja proeza foi ter implantado o domínio da videosfera antes das Diretas- Já.
A TV no Brasil nasce internacional, autoritária e monopolista, tendo como seu principal adversário a democracia do voto. De onde se conclui, pelo raciocínio dialético, que vai do presente para o passado: eleições somente depois de implantada a norma televisiva, por meio da qual a democracia realizar-se-á sob o signo da despolitização.
Democracia despolitizada. Votação desideologizada. É por isso que a TV não tem perdido nenhuma eleição desde 1989, não importando absolutamente a qualidade cênica ou telegênica dos candidatos.
Parafraseando Karl Marx, as idéias dominantes são as idéias da TV dominante. Olhos e ouvidos. Antes de perguntar de onde vem o poder material da ideologia, é preciso ter em mira que no Brasil o vídeo substituiu a letra, ou melhor: a telenovela é a escola.
O programa eleitoral do PSDB está ancorado na telenovela "O Rei do Gado", tendo como mediador a sedução boçal do âncora, que dispensa a fala do candidato.
O problema é que a oposição não rompe com o fetichismo semântico do dinheiro nem tampouco apresenta outra sintaxe diferente da TV dominante, não conseguindo portanto correr por fora do templo da telemoeda.
Resulta desse quadro insano a lógica implacável do masoquismo eleitoral: triste do bicho que o outro engole.
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Gilberto Felisberto Vasconcellos, 49, é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da Moeda" (editora Espaço e Tempo, 1997)
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O colunista José Simão está em férias.


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