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TELEVISÃO
TV não perde uma eleição desde 1989
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
²
Se o Carnaval é o acontecimento da raça, conforme poetou Oswald de Andrade, então
as eleições presidenciais deveriam assumir um clima carnavalesco. A saturnália do voto. O
carnaval da cidadania. A folia
do povão, lúdico, alegre, orgiástico, brincalhão, dionisíaco,
participativo.
Porém, não é nada disso o que
se observa desde as eleições de
1989, pela primeira vez sob
completa cobertura televisiva.
Dir-se-ia que estamos menos
para Rabelais do que para rainha Vitória. O vencedor do
pleito não comemora nas ruas,
assim como o povo não se interessa pelo resultado eleitoral.
A impressão que se tem é que,
em vez de festa, temos o funeral
das urnas.
O grande desafio das ciências
sociais é explicar o motivo pelo
qual a vigência do voto é mais
tanatos do que eros. Eleições
macabras, e não eufóricas. Isso
não deixa de ser um fato psicológico estranho, principalmente
levando em conta o longo jejum
eleitoral durante o regime militar de 1964, cuja proeza foi ter
implantado o domínio da videosfera antes das Diretas- Já.
A TV no Brasil nasce internacional, autoritária e monopolista, tendo como seu principal
adversário a democracia do voto. De onde se conclui, pelo raciocínio dialético, que vai do
presente para o passado: eleições somente depois de implantada a norma televisiva, por
meio da qual a democracia realizar-se-á sob o signo da despolitização.
Democracia despolitizada.
Votação desideologizada. É por
isso que a TV não tem perdido
nenhuma eleição desde 1989,
não importando absolutamente a qualidade cênica ou telegênica dos candidatos.
Parafraseando Karl Marx, as
idéias dominantes são as idéias
da TV dominante. Olhos e ouvidos. Antes de perguntar de
onde vem o poder material da
ideologia, é preciso ter em mira
que no Brasil o vídeo substituiu
a letra, ou melhor: a telenovela
é a escola.
O programa eleitoral do PSDB
está ancorado na telenovela "O
Rei do Gado", tendo como mediador a sedução boçal do âncora, que dispensa a fala do
candidato.
O problema é que a oposição
não rompe com o fetichismo semântico do dinheiro nem tampouco apresenta outra sintaxe
diferente da TV dominante,
não conseguindo portanto correr por fora do templo da telemoeda.
Resulta desse quadro insano a
lógica implacável do masoquismo eleitoral: triste do bicho que
o outro engole.
²
Gilberto Felisberto Vasconcellos, 49, é professor de ciências sociais da Universidade Federal
de Juiz de Fora (MG) e autor de "O Príncipe da
Moeda" (editora Espaço e Tempo, 1997)
²
O colunista
José Simão está em férias.
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