São Paulo, quinta-feira, 15 de novembro de 2001

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Fotógrafa americana, vivendo em Paris, tem exposição no Pompidou e no Louvre

O exílio de Nan Goldin

Nan Goldin/Divulgação
"Guido Flutuando", imagem de Nan Goldin em cartaz no Pompidou


ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

Uma exposição obrigatória em Paris, nos dias que correm, é a retrospectiva da fotógrafa norte-americana Nan Goldin.
São mais de 400 trabalhos, feitos desde os anos 70, dispostos em cinco salões do Centre Georges Pompidou (Beaubourg), que demonstram como Goldin realizou uma das grandes obras fotográficas dessa época -e continua realizando. Ela também estará no 5º Salão Internacional Europeu da Fotografia, "Paris Photo", no Museu do Louvre, em Paris, a partir de hoje. No Mix Brasil em SP, o documentário "Encontro com Nan Goldin" será exibido no sábado, às 12h, no MAM.
Desde maio, bem antes dos atentados a Nova York (11 de setembro), Goldin abandonou os EUA. Seguindo a trilha de outros artistas americanos, que fizeram o mesmo ao longo do século 20, ela se exilou em Paris. "Não gosto do conservadorismo da América. Com o segundo Bush, que nem sequer foi eleito legalmente, achei que era demais e me mudei", diz.
De origem judia, nascida em Washington, em 1953, Goldin estudou fotografia em Boston. Em 1978, mudou-se para Nova York.
O movimento punk estava no auge. Ela mergulhou no underground e desenvolveu ali o seu universo fotográfico: drag queens, drogados, noctívagos e tipos urbanos subterrâneos.
No começo dos 80, criou sua obra-prima, o conjunto de fotografias de "Balada da Dependência Sexual", que apresentou na forma de "slide show", com projeções acompanhadas de música.
Viajou pelo mundo e registrou o mesmo universo em toda parte, criando uma iconografia atualíssima, em que o mito se revelava na banalidade, e a fotografia descobria formas clássicas no instantâneo caseiro. Num instante, o "modelo Goldin" se espalhou pelas revistas, transformando-se num cacoete dos fotógrafos, que dela guardaram apenas a medida técnica e formal e jogaram fora a paixão e a generosidade.
Na exposição "Le Feu Foullet" (o fogo-fátuo), que vai até 10 de dezembro, Goldin apresenta um novo "slide show", chamado "Heart Beat", onde 240 fotografias são projetadas ao som de uma canção exclusiva de Björk.
É um dos grandes momentos da mostra, onde a intimidade sexual estala a cada instante. Goldin quer registrar a manifestação do amor entre seus amigos -e fazer do ato de fotografar uma prova de amor.
Suas fotos são também um esforço de conter o trabalho da morte. Os trabalhos em que registra os seus amigos doentes de Aids são documentos trágicos de uma guerra. Nas fotos recentes, surgem imagens da natureza e de relíquias católicas, impregnadas de espiritualidade.
Avessa às entrevistas, Goldin demorou a se decidir pela que segue, feita por telefone em Paris.

Folha - Você não gosta de jornalistas?
Nan Goldin -
Eles prejudicaram tanto a minha vida, atribuindo a mim coisas que eu não disse... Eu falo a eles como se estivesse falando com um amigo, e, então, eles viram as costas e usam o que eu disse da maneira como lhes interessa. Para garantir que você não vai me prejudicar, vou lhe perguntar o mesmo: você acha que existe uma conspiração por trás do ataques aos EUA? Além de Bin Laden, existe alguém mais?

Folha - Não sei.
Goldin -
Vocês, jornalistas, nunca respondem... Só perguntam.

Folha - Vamos fazer uma conspiração de dois, você e eu, para esta entrevista. Você concorda?
Goldin -
Você concorda? (risos)

Folha - Como você se sente em Paris, longe de Nova York?
Goldin -
Eu amo Paris. Eu já estive aqui várias vezes. Agora, comprei um belo apartamento e adquiri antiguidades. Então, não posso mais voltar, por causa das antiguidades. Gosto de Nova York, mas por uma série de razões, algumas políticas, quis sair.

Folha - Qual foi a sua razão política para deixar a América?
Goldin -
Não gosto do conservadorismo da América, desde Ronald Reagan. Quando o primeiro Bush chegou ao poder, eu disse: vou embora. Mas não fui. E, agora, com o segundo Bush, que nem sequer foi eleito legalmente, achei que era demais e me mudei.

Folha - Você se exilou?
Goldin -
Sim. Eu não quero voltar a Nova York, mas não é por causa dos ataques. Nova York acabou, é igual à Disneylândia. Virou uma falsa boemia. Mas ainda tem muita gente legal vivendo lá, que não se vendeu.

Folha - Suas fotos no Beaubourg parecem ser sobre o tempo presente, mas também sobre algo que ficou no passado. Você acha que virou um clássico?
Goldin -
Talvez as pessoas pensem assim porque eu, agora, sou uma antiguidade, mas eu sempre pensei que o meu trabalho fosse sobre temas clássicos, e não sobre o Lower Side de Nova York, o mundo underground. Isso é o que dizem, o que é reducionista e preguiçoso. As pessoas não olham os títulos dos trabalhos, não se importam em saber onde as fotos foram feitas. Eu fotografei a minha vida e a de amigos no México, na Alemanha, no Brasil, na Suíça. Meu trabalho é sobre o mundo e sobre minha tribo de amigos.

Folha - O mundo mudou desde que começou a fotografar, não?
Goldin -
Mudou bastante. Está mais difícil viver. Muitos dos meus amigos morreram. Agora existe mais mesquinharia. As pessoas se preocupam mais com dinheiro e fama. Não meus amigos, mas as pessoas em geral. São mais conservadoras, sobretudo nos EUA depois de 11 de setembro.

Folha - Seu estilo de fotografar foi muito adotado na moda. Você gosta da moda?
Goldin -
Nunca fiz fotos de pessoas tomando heroína com o objetivo de vender camisas. Adoro a moda, mas ela pode ser perigosa. Ela mata muitas mulheres, você sabe, que ficam anoréxicas para parecer modelos. Moda me interessaria se as pessoas usassem diferentes tipos de corpos e rostos e não um tipo apenas, não apenas garotas de 14/16 anos para vender roupas para gente de 40 anos.

Folha - Religião se tornou algo importante para você?
Goldin -
Não, não para mim. Eu fui educada como uma ateísta.

Folha - O que você foi fazer no santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal?
Goldin -
Sou atraída por igrejas e lugares como aquele, onde as pessoas pensam que vão encontrar salvação. Não acredito nisso. Acho que você tem que encontrá-la em si mesmo e nas pessoas. Mas sou fascinada pelo catolicismo e pelas imagens, que combinam paganismo e ritualismo. Tenho uma boa coleção de arte católica. Não gosto, porém, de religiões organizadas. Acho que foram elas que mataram meus amigos com a atitude que têm em relação à Aids.

Folha - Se pudesse resumir, diria que seu trabalho é sobre o quê?
Goldin -
Sobretudo sobre amor.


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