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MÚSICA
Banda pernambucana quer evitar regionalismo no CD "O Palhaço do Circo sem Futuro", lançado hoje em Santo André
Cordel aponta para sentimentos do mundo
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O cordel estradeiro sobrevoou
os céus da Europa e viu, de longe,
que a Arcoverde do sertão pernambucano é como uma fresta na
lona-mãe que cobre o mundo.
Após apresentações em vários
Estados e miniturnê por Alemanha e França, a banda Cordel do
Fogo Encantado assumiu o plano
de vôo na produção independente do segundo disco, "O Palhaço
do Circo sem Futuro" (selo Rec
Beat), que chega às lojas este mês.
Foi o compositor Naná Vasconcelos, produtor do inaugural
"Cordel do Fogo Encantado"
(2001), quem convenceu os cinco
rapazes de que tinham potencial
para a investida.
Segundo o vocalista e compositor Lirinha, o novo disco é um recorte do rito de passagem da banda de Arcoverde para o mundo.
O CD de estréia traz canções
compostas ainda em solo pernambucano. Já as 17 faixas de "O
Palhaço do Circo sem Futuro" refletem a fricção com culturas metropolitanas ou estrangeiras.
Não é por acaso que a vinheta de
abertura do CD traz a fala de um
homem num metrô de Berlim.
Gravada, soube-se depois, por
meio de tradutor, que ele pedia
esmola e discorria sobre o pai assassinado numa guerra.
O trabalho anterior tinha como
vinheta inicial uma gravação do
aboiador Zé do Né, colhida em
Lagoa de Dentro (PB). Emblemático. "A idéia é falar mais aos sentimentos humanos universais do
que regionais", diz Lirinha, 26.
"Reagimos a esse contato com o
olhar de quem já não tem a segurança da terra de origem, desterrados com sentimento de luta, de
guerra, de manutenção de sonho", versa o vocalista.
A percussão ganhou mais peso.
Se os tambores do Cordel já não
ficavam na "cozinha", evoluem
ainda mais como complemento
melódico nas canções, compara
Emerson Calado, 22. Ele partilha
ilu, djambê, caixas, pratos, conga,
bombo de macaíba e outros instrumentos com Rafa Almeida e
Nêgo Henrique. Há até efeitos de
sampler em meio a aboios.
"Temos liberdade de se deixar
influenciar, mas não apenas para
reproduzir. Nosso desejo é ser cada vez mais autorais", afirma o
violonista Clayton Barros, 26.
Para o Cordel, CD é complemento de espetáculo. O rito da representação cênica, que está no
berço da banda, é aprofundado
no show que tem única apresentação hoje, no Sesc Santo André
(SP), e na sequência estréia no
Sesc Pompéia (29 e 30/11).
Os músicos contracenam com
iluminação e cenário que expõem
ícones presentes no CD: Nossa Senhora da Paz, a matadeira (como
os jagunços apelidaram a bala de
canhão "withworth" na Guerra de
Canudos), o candeeiro e a imagem de um homem, um profeta
do "circo sem futuro".
"Não espero da profecia mais
do que da poesia. A viagem é a
mesma. Leio a Bíblia como leio
um livro de textos poéticos", diz
Lirinha, que, entre quadras e sextilhas, volta a invocar poetas como João Cabral de Melo Neto,
Laiet Lial, Manoel Filó, Jó Patriota
e Manoel Chudu, a maioria com
mirada na cultura popular.
Sobre o título do CD, diz Lirinha: "Assumimos o palhaço como símbolo, com suas pinturas
de guerra, seu passado ridículo,
sua loucura fingida, sua alma impaciente". Mesmo com a guerra
na porta, com a lona rasgada e sob
a tempestade sem fim, o espetáculo vai começar.
O PALHAÇO DO CIRCO SEM FUTURO.
Show do Cordel do Fogo Encantado.
Onde: Sesc Santo André (r. Tamarutaca,
302, tel. 0/xx/11/4469-1200). Quando:
hoje, às 19h. Quanto: R$ 12.
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