São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2003 |
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"Gilberto Gil é o Lula de Lula", diz Caetano
DO ENVIADO AO RIO
MINISTRO GIL - "Estou achando
ótimo. Ele está firme na posição
dele lá, respeitado pela opinião
pública. Está feliz por exercer o
cargo, então fico feliz de vê-lo feliz. Do ponto de vista da história
do Ministério da Cultura, acho
que esse é o mais interessante que
já apareceu até agora. Não tem
verba, mas isso o governo não
tem. Pelo menos ele tem uma presença, as pessoas estão pensando
nisso, muito mais que com outros
ministros. Estão ligando diretamente problemas da produção
artística ao ministério, o que não
se fazia. As pessoas iam falar com
o presidente, o ministro ficava ali
meio esquecido. Gil está bem, está
ministro. Eu não teria o menor saco de estar naquela situação, mas
ele adora". "EMBAIXADOR" GIL - "Na parte
externa ele é bastante brilhante,
porque tem uma presença internacional notável. Na verdade, ele
é o Lula do Lula [ri]. Quando estava lá fora, vi a força e a importância que a Presidência de Lula tem
no âmbito internacional. Lula parece assim a salvação da esquerda
mundial. Sua Presidência traz
uma nova configuração política
interna e internacional, de peso
considerável. Embora tudo seja
ainda quase simplesmente simbólico, já é muito. E tem a ver com
esse negócio de primeiro país do
século 21, embora não seja". SEM DECEPÇÃO - "Dentro da cabine eu pensava, pensava, argumentava. Mas era impossível, "estou aqui sozinho, estou vendo, é
Lula". Votei sentindo o drama. E
não me decepcionei nem uma gota. Basicamente, me sinto bem,
porque sou liberal. Acho que os
princípios da democracia liberal
são superiores a esse negócio todo, a essa demagogia toda, e são
mais difíceis de defender e manter. Mas acho inaceitável a disparidade da distribuição de renda
no Brasil". ESQUERDAS - "Se José Serra tivesse ganhado a eleição, talvez estivesse fazendo uma política econômica menos ortodoxa, porque
não seria tão suspeito, não teria
que provar tanto que não é heterodoxo. Mas seria ainda assim
massacrado, ia encontrar uma resistência brutal da esquerda brasileira. Todo mundo ia ficar imaginando que se Lula entrasse seria o
paraíso. Então Lula ter entrado
também dá um choque de realidade para esse pessoal todo. Muita gente protesta, reclama, está
decepcionada, acha que Antonio
Palocci está fazendo a política do
Pedro Malan ou pior ainda. A Europa toda já passou por isso, todos os presidentes socialistas da
Europa fizeram esse dever de casa
da economia internacional". DITADURAS - "A América Latina
vive uma tendência toda democratizante. Roberto Campos dizia
que aquela onda de ditaduras era
como se fosse um "zeitgeist", o espírito de tempo daquele período
[ri]. Agora está tudo para o lado
da democracia, até George Bush
segundo fez um mea-culpa do
apoio que os EUA deram às ditaduras naquele tempo". DEMOCRACIA - "Dou imenso valor à democracia, por isso votei
em Fernando Henrique na primeira vez. Na reeleição não votei.
Não gosto dessa conversa desses
marxistas que ficam dizendo que
democracia é uma questão meramente formal, uma máscara formal para manter a opressão. Não
é, não. A democracia é algo fundamental, importante em si. É
preciso defendê-la inclusive desses salvadores socialistas que terminam virando ditadores que ficam 50 anos no poder, que proíbem oposição, têm um jornal só,
matam opositores, prendem dissidentes". MEDO - "De toda a esquerda eu
tenho ainda medo disso, porque
acho que tem um negócio que
tem a ver com isso de que não
gosto. Mas não me sinto conservador, porque não tenho vontade
nenhuma, ao contrário, de conservar esse quadro social e econômico dentro do Brasil, que é um
dos exemplos mais gritantes do
mundo, e do próprio mundo. Só
não sei como é que se resolve isso,
é difícil. Mas pelo menos no Brasil
a gente devia achar um jeito de superar isso". "LETRA SÓ" - "Lendo as letras, fiquei muito mais otimista que de
costume. Na minha cabeça, considero tudo meu muito malfeito,
muito precário. Mas lendo aqui
achei que muitas coisas são até
bonitas, direitinhas, é melhor do
que eu pensava. Reler as letras naturalmente desperta coisas da
memória, mas passa rápido.
Umas me dão alegria. Outras são
tristes, mas sinto uma tristeza que
me faz bem. Outras me sinto mal
em ler e lembrar alguma coisa". BIOGRAFIA - "Não penso em fazer uma autobiografia. Toma
muito tempo, acho que não vale a
pena. Não quero pagar o preço. Já
achei demais ter escrito "Verdade
Tropical" (1997). É muito grande,
depois que ficou pronto vi que tomei esse tempo todo fazendo esse
negócio... Naquele período eu estava mais inteligente, aos 50 anos.
Agora estou começando a ficar
mais devagar, bicho". |
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