São Paulo, terça-feira, 15 de novembro de 2005

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MÚSICA

Apesar da deterioração das imagens, novo DVD mostra encontro de artistas e ação da censura no regime militar

"Phono 73" registra momento histórico da MPB

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Não importam os problemas técnicos, as poucas imagens, os altos e baixos de qualidade. "Phono 73", caixa que está sendo lançada com dois CDs e um DVD, é um documento histórico -ainda que, infelizmente, incompleto.
Phono 73 foi um festival realizado no Palácio de Convenções do Anhembi, entre 11 e 13 de maio de 1973, com todo o elenco da Phonogram, hoje Universal. A multinacional tinha quase todos os grandes nomes da dita MPB e resolveu reuni-los em um grande evento de marketing -embora a palavra não fosse usual na época- que também tinha um inevitável viés político, já que se vivia o período mais repressivo da ditadura militar.
"Os militares achavam que a gravadora estava cheia de comunistas, e os artistas nos viam como direitistas. Na verdade, o que nós queríamos era gravar boa música brasileira", diz Armando Pittigliani, então diretor do departamento de serviços criativos (marketing no jargão de hoje) da Phonogram e diretor-geral do Phono 73.
O lado promocional era nítido, tanto que a gravadora, pouco antes do festival, reuniu os artistas para uma foto que usou em um anúncio com a frase "Só nos falta o Roberto". Mas o Rei nunca foi.
O que importa hoje, no entanto, é outro lado: o da contestação, política e estética, o do registro de artistas em momentos tão criativos quanto tensos. O exemplo mais claro é o de Gil e Chico Buarque, que tinham acabado de compor -e ter censurada- "Cálice".
Resolveram levar a música para o palco e tiveram os sons de seus microfones cortados por ordem de policiais. Como o som da mesa de áudio permaneceu ligado, ficou guardado o que Chico disse após o corte: "Estão me aporrinhando muito. Esse negócio de desligar o som não estava no programa. Claro, estava no programa que eu não posso cantar a música ["Cálice'] nem "Anna de Amsterdam". Não vou cantar nenhuma das duas. Mas desligar o som não precisava não".
Só é possível ouvir essa fala nos extras do DVD -que é a grande novidade, já que as músicas tinham saído em três CDs. No disco também há algumas imagens de Chico, irritado, cantando "Cotidiano" e "Baioque". No fim desta, ele grita, fora do microfone mas de modo bem reconhecível: "Censura filha da puta!". A seu lado, os cantores do MPB-4 gritam sons desconexos para protestar.

O que vão pensar
O DVD dura apenas 35 minutos. Foi o que sobrou das imagens feitas na época por Guga de Oliveira. Como ele e a Phonogram não se acertaram, o filme planejado nunca saiu e os negativos de 35 mm foram se deteriorando.
Mas há imagens incríveis como a de Caetano Veloso totalmente performático em "A Volta da Asa Branca" (Luiz Gonzaga/Zé Dantas): ele simula cantoria de cego, emenda outras músicas, joga-se no chão e dança como que em transe. Em outra cena, ele se ajoelha aos pés de Jorge Ben (Jor), enquanto este improvisa com Gil.
Infelizmente, as câmeras não filmaram o duo de Caetano com o brega Odair José em "Eu Vou Tirar Você desse Lugar". As vaias do início viraram aplausos no fim, quando ele enfatiza um verso da música: "Não me importa o que os outros vão pensar". Está em um dos CDs.
"E ele ainda disse uma frase histórica: "Nada mais Z do que um público classe A'", conta Pittigliani, lembrando que Caetano propôs o duo, e difícil foi convencer Odair de que era verdade.

Vaias e beijos
Outra vaia -não-audível na caixa- sofreu Elis Regina ao subir ao palco. Ela tinha cantado há pouco tempo nas Olimpíadas do Exército e sabia o que lhe esperava. Esperou as vaias diminuírem, atacou de "Cabaré" (João Bosco/ Aldir Blanc) e foi ovacionada. Está no DVD, assim como a famosa foto de Maria Bethânia e Gal Costa beijando-se na boca.
Toquinho, Vinicius, Erasmo Carlos, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Jorge Mautner, Wanderléa, Ronnie Von... Há mais e mais diversa gente nos CDs e no DVD. Não dá para chamar de "O canto de um povo", como estava no encarte dos dois LPs originais e é o subtítulo da caixa. Mas é o canto de uma época em que se acreditava cantar em nome de um povo.


Phono 73
Artistas:
Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina e outros
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 86 (dois CDs e um DVD)


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