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MÚSICA
Apesar da deterioração das imagens, novo DVD mostra encontro de artistas e ação da censura no regime militar
"Phono 73" registra momento histórico da MPB
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Não importam os problemas
técnicos, as poucas imagens, os altos e baixos de qualidade. "Phono
73", caixa que está sendo lançada
com dois CDs e um DVD, é um
documento histórico -ainda
que, infelizmente, incompleto.
Phono 73 foi um festival realizado no Palácio de Convenções do
Anhembi, entre 11 e 13 de maio de
1973, com todo o elenco da Phonogram, hoje Universal. A multinacional tinha quase todos os
grandes nomes da dita MPB e resolveu reuni-los em um grande
evento de marketing -embora a
palavra não fosse usual na época- que também tinha um inevitável viés político, já que se vivia o
período mais repressivo da ditadura militar.
"Os militares achavam que a
gravadora estava cheia de comunistas, e os artistas nos viam como
direitistas. Na verdade, o que nós
queríamos era gravar boa música
brasileira", diz Armando Pittigliani, então diretor do departamento
de serviços criativos (marketing
no jargão de hoje) da Phonogram
e diretor-geral do Phono 73.
O lado promocional era nítido,
tanto que a gravadora, pouco antes do festival, reuniu os artistas
para uma foto que usou em um
anúncio com a frase "Só nos falta
o Roberto". Mas o Rei nunca foi.
O que importa hoje, no entanto,
é outro lado: o da contestação, política e estética, o do registro de artistas em momentos tão criativos
quanto tensos. O exemplo mais
claro é o de Gil e Chico Buarque,
que tinham acabado de compor
-e ter censurada- "Cálice".
Resolveram levar a música para
o palco e tiveram os sons de seus
microfones cortados por ordem
de policiais. Como o som da mesa
de áudio permaneceu ligado, ficou guardado o que Chico disse
após o corte: "Estão me aporrinhando muito. Esse negócio de
desligar o som não estava no programa. Claro, estava no programa
que eu não posso cantar a música
["Cálice'] nem "Anna de Amsterdam". Não vou cantar nenhuma
das duas. Mas desligar o som não
precisava não".
Só é possível ouvir essa fala nos
extras do DVD -que é a grande
novidade, já que as músicas tinham saído em três CDs. No disco também há algumas imagens
de Chico, irritado, cantando "Cotidiano" e "Baioque". No fim desta, ele grita, fora do microfone
mas de modo bem reconhecível:
"Censura filha da puta!". A seu lado, os cantores do MPB-4 gritam
sons desconexos para protestar.
O que vão pensar
O DVD dura apenas 35 minutos. Foi o que sobrou das imagens
feitas na época por Guga de Oliveira. Como ele e a Phonogram
não se acertaram, o filme planejado nunca saiu e os negativos de 35
mm foram se deteriorando.
Mas há imagens incríveis como
a de Caetano Veloso totalmente
performático em "A Volta da Asa
Branca" (Luiz Gonzaga/Zé Dantas): ele simula cantoria de cego,
emenda outras músicas, joga-se
no chão e dança como que em
transe. Em outra cena, ele se ajoelha aos pés de Jorge Ben (Jor), enquanto este improvisa com Gil.
Infelizmente, as câmeras não filmaram o duo de Caetano com o
brega Odair José em "Eu Vou Tirar Você desse Lugar". As vaias do
início viraram aplausos no fim,
quando ele enfatiza um verso da
música: "Não me importa o que
os outros vão pensar". Está em
um dos CDs.
"E ele ainda disse uma frase histórica: "Nada mais Z do que um
público classe A'", conta Pittigliani, lembrando que Caetano propôs o duo, e difícil foi convencer
Odair de que era verdade.
Vaias e beijos
Outra vaia -não-audível na
caixa- sofreu Elis Regina ao subir ao palco. Ela tinha cantado há
pouco tempo nas Olimpíadas do
Exército e sabia o que lhe esperava. Esperou as vaias diminuírem,
atacou de "Cabaré" (João Bosco/
Aldir Blanc) e foi ovacionada. Está no DVD, assim como a famosa
foto de Maria Bethânia e Gal Costa beijando-se na boca.
Toquinho, Vinicius, Erasmo
Carlos, Raul Seixas, Sérgio Sampaio, Jair Rodrigues, Wilson Simonal, Jorge Mautner, Wanderléa, Ronnie Von... Há mais e mais
diversa gente nos CDs e no DVD.
Não dá para chamar de "O canto
de um povo", como estava no encarte dos dois LPs originais e é o
subtítulo da caixa. Mas é o canto
de uma época em que se acreditava cantar em nome de um povo.
Phono 73
Artistas: Chico Buarque, Caetano
Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina e outros
Gravadora: Universal
Quanto: R$ 86 (dois CDs e um DVD)
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