São Paulo, sexta, 16 de janeiro de 1998.



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CINEMA
Retrospectiva 'Uma Câmera no Coração', no Centro Cultural, retoma embate do Jeca com o universo urbano
Ciclo lembra o carisma de Mazzaropi

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Todo ano, no dia 25 de janeiro, o ritual se repetia: o cine Art Palácio lançava o novo filme de Mazzaropi e, quem passasse na avenida São João, veria as imensas filas que se formavam para ver o comediante.
Não o filme do comediante, mas o comediante. Era uma platéia particular. Enquanto o mocinho e a mocinha se debatiam com algum problema, conversava-se, comia-se pipoca, discutiam-se os problemas familiares. Mas, quando, Mazzaropi entrava em cena, com seu jeito desconjuntado, o cinema ficava em silêncio reverencial. Ele dava alguns passos, pronunciava uma frase e a platéia vinha abaixo de tanto rir.
Eram quase sempre histórias muito simples, de um matuto às voltas com algum espertalhão, se possível da cidade grande. Mas o trouxa era desconfiado e combativo o bastante para enfiar o espertalhão no chinelo e sair por cima: o homem do campo, migrante que viera bater na cidade grande, tinha sua desforra.
Fora de cena, Mazzaropi era parecido com o personagem que encarnava. Desconjuntado, não conseguia dublar, de maneira que seus filmes eram feitos em som direto, invariavelmente.
Mazzaropi sabia o que queria e, sobretudo, o que seu público queria. Quando um grupo caipira se apresentava no seu filme, sua preocupação era que cada integrante aparecesse o mesmo tempo que os demais: igualdade total, num meio cheio de fofocas.
Seus filmes deviam durar pelo menos 90 minutos. Era uma questão ética: quem comprava ingresso merecia ter distração por um tempo padrão -ética de pão-duro.
Claro que, cinematograficamente, os filmes eram limitados, embora alguns deles se distinguissem. Nenhum mais que "O Corintiano", salvo erro o melhor filme feito até hoje sobre a paixão futebolística no Brasil. É onde também vemos o Mazzaropi mais urbano. Não é uma virtude do urbano que isso tenha acontecido, mas, quando um pai veta o casamento da filha com um pretendente só porque ele é são-paulino (ou palmeirense?), convenhamos que existe aí um material cômico de primeira.
Nesse filme pode-se apreciar o carisma de Mazzaropi, num momento em que não faz apenas mais uma variação do tipo do Jeca esperto e ressentido, em oposição ao homem urbano, emanação de um mal que ameaçava destruir o universo puro e ingênuo do caipira.

O quê: Ciclo Mazzaropi - Uma Câmera no Coração (veja programação nesta página) Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000), tel. 011/277-3611


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