São Paulo, terça-feira, 16 de janeiro de 2001

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O vocalista Leandro Lehart lança seu primeiro CD solo, um sofisticado trabalho de soul music

Do Art Popular para o impopular

Adriana Elias/Folha Imagem
Leandro Lehart, vocalista do grupo Art Popular, que lança CD individual e é o maior arrecadador de direitos autorais do país



PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria fonográfica brasileira recebe uma dosezinha a mais de pressão. Em sua estréia solo, gravada durante um ano em seu estúdio caseiro, o paulistano Leandro Lehart, 28, mostra que nem tudo é pagode mauricinho no mundo das bandas pop-samba que dominaram os anos 90.
Líder do grupo Art Popular e há oito anos arrecadador número um de direitos autorais no Brasil, graças a composições suas gravadas por dezenas de grupos de sua geração e até das anteriores, Leandro já vinha sendo apontado como figura de destaque no mar de marasmo que assolou o mercado musical popular dos 90.
Em "Solo", ele mostra que possuía recursos bem mais amplos que os exibidos nas composições gravadas pelo Art Popular e pelos outros conjuntos de pagode, que ele próprio julga "redundantes".
É um disco de soul music, em que Leandro diz pretender conciliar influências tanto do Grupo Fundo de Quintal quanto do Earth, Wind and Fire, para ele "a melhor banda do mundo". Reúne dois mundos distintos, pois foi co-produzido por Max de Castro, revelação de 2000 na MPB elaborada e no pop de extração soul.
Pode ser entendido como um vôo de liberdade de artista que conquistou cacife suficiente à custa do mercadão, mas coincide com a fase em que as gravadoras perdem chão pela queda de vendagens dos gêneros populares.
Em entrevista à Folha, Lehart falou sem restrições sobre as críticas que se abatem frequentemente sobre o pagode dos 90, sobre o "rabo preso" de sua geração com as gravadoras e as redes de TV e sobre o conflito da necessidade de se desvencilhar da dicotomia consumo industrial/música de qualidade. Leia trechos.

Folha - O que o Art Popular representa no universo do pagode?
Leandro Lehart -
A primeira coisa que queremos é sair um pouco dessa coisa do consumismo. Todo mundo rotula, a palavra "pagodeiro" ficou pejorativa. Acho que meu disco solo é o primeiro passo para isso. Mas dentro do Art Popular, queira ou não, temos um compromisso com a massa, com o público mais humilde, e também com a gravadora, de vender disco. Nos nossos discos sempre fizemos o que é redundante, de praxe, mas sempre colocamos coisas novas e diferentes também.

Folha - Sua geração fez o samba dos anos 90 ou descaracterizou o samba nos 90?
Lehart -
É difícil falar sem ser polêmico (ri). Não gosto de ser polêmico, mas... Quem critica a gente é quem ainda não ouviu e não sabe a trajetória. Não é falar ideologicamente, como alguns artistas criticados falam, que "eles não sabem que a gente passou fome", essas coisas. Não é isso, é pela própria música que a gente faz. Não poderíamos gravar com Take 6 ou Billy Paul nem ter aval de todos esses caras que gostam da gente, como Caetano e Marisa Monte, sem ser uma banda legal.
Mas o que posso dizer é que realmente existe um compromisso, um rabo preso muito grande desta geração com o mercado fonográfico, de vender disco mesmo, fazer a música mais fácil possível, continuar fazendo sempre a mesma coisa que funcionou antes. São sempre os mesmos produtores e músicos, os grupos têm os mesmos empresários. Existem poucas pessoas nesse mercado, dominando-o há mais ou menos dez anos.
Há também o problema do "cinderelo", o menino pobre do subúrbio ou da periferia, sem preparação intelectual e musical, que depois de estourar um disco começa a ostentar, comprar carro, não paga pensão para ex-mulher. Tudo isso é fruto também do despreparo, não só dos artistas, mas de quem gerencia e administra.

Folha - Como você classifica o que faz? É samba, pagode, rhythm'n'blues, o quê?
Lehart -
Chamaria de pop-samba. Fazemos samba, mas com características de linguagem pop, colocamos as coisas de uma maneira mais ampla que num samba-raiz. Mas é samba, porque tem pandeiro e cavaquinho.

Folha - O mito do "cinderelo" não é usado pela indústria como um pretexto para ela ser pouco exigente, deixar de pedir letras melhores, músicas mais elaboradas?
Lehart -
Se eu disser que sofro pelo compromisso de fazer coisas fáceis para vender, vou estar mentindo. Mas nunca achei que sempre tem de ficar rimando amor com dor ou essas coisas. É importante frisar que todos esses grupos vieram de uma tendência que começou nas gravadoras independentes de São Paulo. E aconteceu até porque os jovens que se dizem injustiçados esperavam. O cara comprava disco não só por causa da música, mas porque o Netinho do Negritude Jr. morava na Cohab, fazia parte do mesmo mundo que ele. Mas isso se tornou tão grande, tão enorme em vendagem de discos, show e dinheiro, que as gravadoras e até os grupos já não tinham mais como mudar.

Folha - Comparando seu disco solo com os do Art Popular, seu mundo parece ter mudado muito, não?
Lehart -
Mudou muito. E "Solo" e o acústico da MTV são dois trabalhos próximos, em questão de meses. Estou apreensivo com este disco, com o Art Popular e com o que vai acontecer na música daqui para a frente. Há enigmas que ainda não consigo entender, como o fenômeno da Marisa Monte. Mesmo não fazendo televisão, não aparecendo em revistas, sumindo, quando ela lança um disco sempre vende muito. Neste disco quis fazer uma coisa com coragem, sem receio de nada. Não estou querendo vender disco, ganhar disco de ouro. Sinceramente, não sei exatamente o que a gravadora quer. Está saindo com 30 mil cópias, um disco do Art Popular sai com 200 mil. Existe uma fórmula que os caras de rádio querem, de começo, meio e fim e refrão. Tem de haver, e ele tem que ser mais alto e mais apelativo que o começo e o meio da música. Tentei fugir dessa fórmula, e eles estranham totalmente.

Folha - Você não deveria convencer seu público de que essa música mais sofisticada pode ser cantada na rua, como o pagode?
Lehart -
É exatamente o que penso. Faço parte da vida de muita gente que não teve a oportunidade que tive. Vou fazer programas de TV, mas o que espero é o boca-a-boca. Não quero usar o espaço que tive com o Art Popular para falar "ouça esse disco". Não posso vendê-lo assim, fazer propaganda em causa própria.

Folha - Você não quer fazer isso ou é a gravadora que não se dispõe a investir?
Lehart -
Os dois, né? Está acontecendo um fenômeno de muitos vocalistas saírem dos grupos. As gravadoras estão interessadas em que aconteça isso. A divulgação de banda com oito ou nove integrantes é muito cara. Os discos ao vivo, de custo bem menor, existem por isso. Há uma crise no mercado fonográfico do Brasil. Hoje a vendagem no mercado pirata equivale a 40% da oficial.

Folha - "Solo" é um CD de samba?
Lehart -
Não. E nem os outros serão, porque o samba não retrata tudo o que penso. Aconteceram tantas coisas na música pop desde os anos 60, e a década de 90 foi a pior em relação à criatividade. Eu me sinto frustrado de fazer parte desse sistema, de muitos jovens se espelharem na gente, e a gente não poder transformar toda a informação que tem em criatividade. Este disco é como se fosse um protesto contra isso também.


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