São Paulo, quarta-feira, 16 de janeiro de 2002

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LITERATURA

Texto de Joaquim Alves de Aguiar, que deve ser lançado este mês, analisa cantora como produto televisivo

Ensaio mostra Elis personagem de si mesma

 "Como um mutante, no fundo sempre sozinho."
Rita Lee e Roberto de Carvalho


MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em um par de anos, ela passou da obscuridade à fama. Namorou diversos gêneros musicais e transpôs diferentes fases, algumas delas contraditórias, para manter o primeiro lugar entre as divas da MPB.
O esforço lhe custou a felicidade e a vida. Hoje, 20 anos após sua morte, nos perguntamos quem foi Elis Regina, "a mais mutante dentre todas as cantoras brasileiras", como diz Joaquim Alves de Aguiar no mais novo estudo biográfico sobre a estrela, em "Leniza & Elis: Duas Cantoras, Dois Intérpretes", com lançamento previsto para este mês (leia texto ao lado).
Elis não teve a chance de "envelhecer sem rotina". A expressão, de um poema de João Cabral de Melo Neto, veio à memória de Aguiar para descrever a vida intensa da cantora. Com 20 anos, já se tornara um dos maiores salários da TV brasileira. Era intempestiva, agressiva, talentosa. Ou, segundo Nelson Motta, antigo namorado, "cafona, malvestida, mal-educada, grossa, cafajeste, mau-caráter, a melhor cantora do Brasil".
Ao contrário de Motta, desde a morte de Elis, as pessoas passaram a ver a intérprete somente pelo lado positivo, o da artista formidável, se esquecendo de seus defeitos. "Elis tinha altos e baixos", conta Aguiar, "até mesmo musicalmente". Hoje há uma tendência para um "nivelamento" crítico.
Para Aguiar, porém, parte da excelência da cantora está no fato de ela ter tido altos e baixos, resultado de sua vontade de arriscar, de pôr "à prova seu enorme talento". Mesmo que muitos dos "baixos" tenham decorrido de uma atitude oportunista, de concessões feitas à mídia, à grana, ao regime militar.
O ensaio não teme as contradições. Mostra-as. O problema está, segundo o autor, no pendor para transformar a cantora em mito, em coisa intocável.
Aguiar acompanha a trajetória de Elis em seus estágios e metamorfoses, desde os primórdios, no festival da TV Excelsior, passando pelo programa "O Fino da Bossa", por seu casamento musical e artístico com Ronaldo Bôscoli, sua guinada para a direita e depois para a esquerda.
A influência direta é a biografia de Regina Echeverria, "Furacão Elis", mas o estudo aponta sutilmente novas direções. Aguiar sabe do que fala. Professor de teoria literária da USP, segue as intermediações entre a MPB e a indústria cultural desde seu mestrado. Aqui, analisa a cantora como produto televisivo, "feita para ser vista".
Além disso, o autor mostra como ela ocupou um lugar que estava vago desde a decadência das cantoras do rádio. A competitividade velada entre ela e Gal e Bethânia pode ser entendida como consequência das características intrínsecas das baianas. Gal e Bethânia ofereciam o que Elis não tinha, em termos musicais e ideológicos, e a Pimentinha aprendeu com elas, evoluindo e se transformando.
Aguiar preocupa-se em descobrir a Elis por trás da máscara criada por si própria e pela mídia. No prefácio ao livro, o músico Luiz Tatit pondera que o autor procura "separar Elis de Elis", ainda que, no final, ambas a cantora e a pessoa pareçam ter se fundido numa só. Como diz Aguiar, Elis acabou se tornando "personagem de si mesma".



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