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LITERATURA
Texto de Joaquim Alves de Aguiar, que deve ser lançado este mês, analisa cantora como produto televisivo
Ensaio mostra Elis personagem de si mesma
"Como um mutante, no fundo sempre sozinho."
Rita Lee e Roberto de Carvalho
MARCELO PEN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em um par de anos, ela passou
da obscuridade à fama. Namorou diversos gêneros musicais e
transpôs diferentes fases, algumas delas contraditórias, para
manter o primeiro lugar entre
as divas da MPB.
O esforço lhe custou a felicidade e a vida. Hoje, 20 anos após
sua morte, nos perguntamos
quem foi Elis Regina, "a mais
mutante dentre todas as cantoras brasileiras", como diz Joaquim Alves de Aguiar no mais
novo estudo biográfico sobre a
estrela, em "Leniza & Elis: Duas
Cantoras, Dois Intérpretes",
com lançamento previsto para
este mês (leia texto ao lado).
Elis não teve a chance de "envelhecer sem rotina". A expressão, de um poema de João Cabral de Melo Neto, veio à memória de Aguiar para descrever
a vida intensa da cantora. Com
20 anos, já se tornara um dos
maiores salários da TV brasileira. Era intempestiva, agressiva,
talentosa. Ou, segundo Nelson
Motta, antigo namorado, "cafona, malvestida, mal-educada,
grossa, cafajeste, mau-caráter, a
melhor cantora do Brasil".
Ao contrário de Motta, desde
a morte de Elis, as pessoas passaram a ver a intérprete somente pelo lado positivo, o da artista
formidável, se esquecendo de
seus defeitos. "Elis tinha altos e
baixos", conta Aguiar, "até mesmo musicalmente". Hoje há
uma tendência para um "nivelamento" crítico.
Para Aguiar, porém, parte da
excelência da cantora está no fato de ela ter tido altos e baixos,
resultado de sua vontade de arriscar, de pôr "à prova seu enorme talento". Mesmo que muitos
dos "baixos" tenham decorrido
de uma atitude oportunista, de
concessões feitas à mídia, à grana, ao regime militar.
O ensaio não teme as contradições. Mostra-as. O problema
está, segundo o autor, no pendor para transformar a cantora
em mito, em coisa intocável.
Aguiar acompanha a trajetória de Elis em seus estágios e
metamorfoses, desde os primórdios, no festival da TV Excelsior, passando pelo programa "O Fino da Bossa", por seu
casamento musical e artístico
com Ronaldo Bôscoli, sua guinada para a direita e depois para
a esquerda.
A influência direta é a biografia de Regina Echeverria, "Furacão Elis", mas o estudo aponta
sutilmente novas direções.
Aguiar sabe do que fala. Professor de teoria literária da USP, segue as intermediações entre a
MPB e a indústria cultural desde
seu mestrado. Aqui, analisa a
cantora como produto televisivo, "feita para ser vista".
Além disso, o autor mostra
como ela ocupou um lugar que
estava vago desde a decadência
das cantoras do rádio. A competitividade velada entre ela e Gal e
Bethânia pode ser entendida como consequência das características intrínsecas das baianas.
Gal e Bethânia ofereciam o que
Elis não tinha, em termos musicais e ideológicos, e a Pimentinha aprendeu com elas, evoluindo e se transformando.
Aguiar preocupa-se em descobrir a Elis por trás da máscara
criada por si própria e pela mídia. No prefácio ao livro, o músico Luiz Tatit pondera que o
autor procura "separar Elis de
Elis", ainda que, no final, ambas
a cantora e a pessoa pareçam ter
se fundido numa só. Como diz
Aguiar, Elis acabou se tornando
"personagem de si mesma".
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