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CINEMA
Ícones da fantasia juvenil, guerreiros de vidas libertinas como Alexandre e Aquiles são maquiados e suavizados por Hollywood
O mundo antigo é mais macho que o atual
MARK SIMPSON
DO "INDEPENDENT"
A história de Alexandre, o Grande, é a melhor história para garotos de todos os tempos. Envolve
paixão, aventura, combate corporal em larga escala, camaradagem
masculina e fuga das meninas. E,
também, bebedeiras, assassinato
em massa e loucura.
A viagem de 12 anos pelo mundo conhecido (e desconhecido) e
a longa lista de vitórias em batalha
que ele registrou representam a
maior turnê de rock da história.
Alexandre é o herói imemorial,
sem idade, da psicose dos meninos que dispõem da energia necessária para mudar o mundo, ou
destrui-lo. Na história de Alexandre, a ambição tem alcance mundial, uma empreitada que deu forma ao Mundo Antigo.
Para todos os efeitos, ele inventou a idéia ocidental de império,
globalização, e deixou sua marca
na idéia que ainda fazemos sobre
fama e sucesso. Alexandre não
queria nada menos que ser dono
do mundo. Chegou perto de consegui-lo, avançando por terras
nunca dantes percorridas.
Seu sucesso se devia em parte à
maneira pela qual conseguia retratar sua ambição e seu interesse
pessoal como benéficos à Macedônia, ao pan-helenismo e a toda
a humanidade.
Nisso, Alexandre pode ser visto
como o modelo mais antigo para
os EUA neoconservadores; ele
chegou até mesmo a invadir e
conquistar as terras que hoje formam o Iraque e o Afeganistão,
além do Irã. Mas, como os neoconservadores, ele conseguia conquistar, mas não era capaz de, ou
não tinha interesse em, administrar: rebeliões irrompiam freqüentemente, e seu império se
dissolveu assim que ele morreu.
A cinebiografia de Oliver Stone
poderia se chamar "Operação Liberdade Persa", porque o Alexandre do filme pronuncia platitudes
sobre a libertação da Ásia; o rei
Dario, da Pérsia, de barba e turbante, lembra Bin Laden, e, após
sua derrota decisiva em Gaugamela, ele é perseguido por Alexandre nas montanhas. Isso, além
da recente volta à moda dos épicos envolvendo espada e sandálias ("Gladiador", "Tróia", "Rei
Arthur"), é o motivo para que
Hollywood tenha redescoberto
essa história como o "road movie" definitivo, a clássica ambição
juvenil tão cara aos americanos, a
busca desenfreada por território.
Além do filme de Stone, há rumores de que Baz Lurhmann estaria desenvolvendo projeto semelhante, com Leonardo DiCaprio no papel título. Até mesmo o
"único-verdadeiro-católico" do
mundo, Mel Gibson, planeja produzir uma série de TV de dez episódios, para a HBO, sobre o bandido pagão. Alexandre parte em
nova jornada de conquista global.
Existe outra razão para que os
épicos estejam de volta: oferecem
idéias reconfortantes, se bem que
falsas, sobre a masculinidade em
um mundo metrossexual. No
Mundo Antigo os homens eram
homens. De fato, trajes bélicos parecem ter sido a moda preferencial de 2004. Foi o mesmo ano, afinal, em que a eleição dos EUA girou em torno de decidir qual dos
candidatos seria o melhor para liderar as tropas -e foi decidida
com base em quem ficava melhor
saudando os soldados e parecia
mais elegante de uniforme.
O principal motivo para o retorno dos épicos é que Hollywood
decidiu emascular o passado e
nos dizer que nunca houve heróis
como esses. Que outra explicação
poderia haver para usar Brad Pitt
como Aquiles e Colin Farrell como Alexandre? São astros porque
são brandos e lhes falta substância, e não o contrário.
O tagarelinha Farrell estava destinado a se tornar o Rei do Mundo
Conhecedor, ou seja, Hollywood,
porque é inofensivo. Farrell no
papel de Alexandre ou Pitt como
Aquiles servem para reassegurar
uma geração que talvez tenha algumas lembranças sobre o tempo
anterior à midiatização de todas
as coisas e dizer-lhe que pode relaxar: nunca houve grandes homens ou era de grandeza. Havia
apenas estilos diferentes. A masculinidade é uma questão de
guarda-roupa. Como os exércitos
de computação gráfica dos épicos
modernos e as guerras dos planejadores do Pentágono, a masculinidade contemporânea é simulação e tecnologia.
A Macedônia era uma espécie
de grande bar "leather" aberto o
dia todo. Os gregos se sentiam escandalizados diante do comportamento "bárbaro" dos macedônios. Segundo fontes gregas afrescalhadas, os membros da corte de
Felipe eram selecionados com base em sua habilidade no jogo, em
sua capacidade de beber e em seu
apetite sexual. A Macedônia era a
espécie de lugar que o pessoal que
hoje freqüenta bares sadomasoquistas teria muito medo de visitar. Isso apavora Hollywood.
No filme de Stone surgem imagens ocasionais, quase subliminares, da real natureza da masculinidade macedônia -guerreiros
ruidosos quase se beijando no
plano de fundo. Mas, a despeito
dessas indicações, o erotismo pré-cristão dos quartéis macedônios
derrota Stone exatamente porque
é masculino demais.
Stone, o diretor macho de filmes
sobre machos em que mulheres
quase não têm papéis, desmunheca em "Alexandre". A masculinidade macedônia é masculina demais. Essa é a contradição dos
épicos metroguerreiros: o Mundo
Antigo é antigo, belicoso e macho
demais para os EUA modernos.
Assim, a sodomia guerreira de
Alexandre é transformada em algo moderno e inofensivo. Além
da relação distorcida entre Alexandre e Hephaestion, apresentada como uma espécie de casamento gay moderno -sem sexo.
O lado masculino do homossexualismo é tão tabu hoje quanto o
lado feminino é popular.
Tradução de Paulo Migliacci
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