São Paulo, sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"O Curioso Caso de Benjamin Button"

Fotos Divulgação
Brad Pitt e Cate Blanchett como Benjamin Button e Daisy em "O Curioso Caso de Benjamin Button", longa-metragem inspirado em conto de F. Scott Fitzgerald

Fincher faz ensaio sobre perdas da vida

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Envelhecer e parecer cada vez mais jovem, se possível com a aparência de Brad Pitt. Esta obsessão contemporânea acaba de acontecer como milagre, claro que graças aos poderes de Hollywood. Com este ponto de partida "O Estranho Caso de Benjamin Button" deve arrastar multidões aos cinemas, mas o que elas encontrarão nem sempre se resume à satisfação de seus desejos.
O filme, dirigido pelo craque David Fincher, toma por base um conto de Francis Scott Fitzgerald, cuja ideia fantástica ganha corpo em imagens ricas das possibilidades digitais, que permitem a Pitt desempenhar várias fases da vida, com exceção da velhice invertida, quando é substituído em cena por um garoto e um bebê.
Com um roteiro assinado por Eric Roth (vencedor do Oscar em 94 por "Forrest Gump") e produção da dupla Kathleen Kennedy e Frank Marshall, que estiveram por trás dos maiores sucessos da trupe de Spielberg, "O Estranho Caso de Benjamin Button" confunde-se um pouco com as fábulas históricas contadas por Robert Zemeckis tanto nos filmes da série "De Volta para o Futuro" como em "Forrest Gump".
Nas mãos de David Fincher, cineasta mais interessado em aventuras mentais (vide "Se7en" e "Zodíaco") que em físicas, o destino às avessas do personagem ganha mais o sentido de parábola, de um relato alegórico pronto para nos dar lições.
O espetáculo das transformações está, claro, presente o tempo todo, fazendo-nos rir e emocionar com as dificuldades pelas quais passa o velhinho peralta quando se depara com os primeiros passos de bengala, o vigor sexual inesperado na primeira transa e tantas outras situações de ruptura de expectativas que fazem a delícia do longa.
Sob tais jogos, no entanto, é para a própria vida, no sentido de um ciclo que desenha o movimento de início, meio e fim no tempo, que o filme chama nossa atenção. E a inversão física de Brad Pitt em cena ilumina ainda mais tal percurso, fazendo-nos enxergar algo que queremos esquecer: que a seta do tempo nos orienta para a morte, e que os sinais de decrepitude podem significar outra coisa que o avesso do vigor da juventude (sobre a imagem do cartaz o diretor conta: "Eu o fiz pensando que ela mostra o quão equivocada é a ideia de que a juventude é consumida quando somos jovens").
O modo de o filme escapar do território exclusivo da fantasia é a contraposição de duas histórias, uma do próprio Benjamin, e outra de Daisy, uma idosa em estado terminal numa cama de hospital. A existência invertida dele é interceptada e narrada por ela, ainda sobrevivente, mas já no fim do próprio ciclo. É esta perspectiva terminal, portanto, que o filme nos oferece para vermos mais de perto o "espetáculo" do rejuvenescimento cuja conclusão todos já sabemos.
E mesmo que diante das aparições cada vez mais luminosas da beleza juvenil de Pitt a personagem de Daisy, ao envelhecer, exclame "Você está tão perfeito!", o contraste só se intensifica com a progressão do filme, insistindo que a grande ambição de David Fincher foi fazer um filme sobre o tempo, sobre as mudanças, certamente, mas, sobretudo, sobre o que se vai e o que se perde com sua passagem.


O CURIOSO CASO DE BENJAMIN BUTTON
Produção: EUA, 2008
Direção: David Fincher
Com: Brad Pitt, Cate Blanchet
Onde: estréia hoje nos cines HSBC Belas Artes, Cine TAM e circuito
Classificação: não indicado para menos de 12 anos
Avaliação: ótimo


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