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Gay Talese tira as roupas da América
Associated Press
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Performance organizada pelo fotógrafo nova-iorquino Spencer Tunick, em 26 de maio de 2001 |
Em entrevista à Folha, um dos jornalistas norte-americanos mais importantes comenta seu polêmico livro "A Mulher do Próximo", sobre a sexualidade nos EUA, que ganha nova edição no Brasil
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CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se fosse fazer um perfil de si
mesmo, o detalhista Gay Talese
obrigatoriamente gastaria uma
bela coleção de parágrafos apenas
para descrever os ternos bem cortados, as gravatas, as camisas engomadas e os suspensórios que
usa desde os tempos de colégio.
Filho de um alfaiate italiano que
emigrou para uma pequena ilha
em Nova Jersey, Talese era famoso já aos 15 anos pela elegância,
até exagerada, dos trajes que passeava pela High School.
Foi lá mesmo, nessa mesma idade, que o garoto engravatado começou a construir a única elegância que ofuscaria o estilo de seus
ternos. Seu jornalismo.
Do discreto jornaleco local
"Ocean City Sentinel-Ledger" ao
gigante "The New York Times",
onde ficou por 12 anos, foi um pulo; e outro pulo, muito maior, foi o
que Talese deu usando o diário
nova-iorquino como trampolim.
Nas páginas do jornal, que mais
tarde seria tema do seu famoso livro "O Reino e o Poder", ele começou a praticar o que seria conhecido como "novo jornalismo", um gênero que trazia para as
reportagens artifícios literários.
Levou o universo dos livros ao
jornal e o do jornal aos livros.
O mais barulhento de todos
eles, foi o volume "A Mulher do
Próximo", que publicou em 1980.
Fruto de nove anos de pesquisas,
nos quais chegou até a ser gerente
de uma casa de massagens, o homem dos trajes elegantes mergulhou como ninguém na América
sem roupas.
O livro está sendo reeditado no
Brasil agora pela Companhia das
Letras. Foi para falar dessa obra
que Gay Talese concedeu a seguinte entrevista por fax para a
Folha.
Nela, o escritor e jornalista de 70
anos comenta a sexualidade norte-americana de hoje e se despe
para exibir idéias polêmicas sobre
a Aids. Leia a seguir alguns trechos da entrevista.
Folha - O sr. se considera azarado
por ter publicado "A Mulher do
Próximo", fruto de nove anos de
pesquisa sobre o sexo nos Estados
Unidos, poucos meses antes de que
se detectassem os primeiros casos
de Aids na América? O livro não ficou particularmente datado?
Gay Talese - Não. Meu livro é a
história de um período da história
americana. É um livro sobre a revolução sexual norte-americana
da metade do século 20, que continua até hoje, mesmo com a Aids.
Ninguém jamais vai admitir na
imprensa, mas a Aids sempre foi
justamente marginalizada. É o flagelo do homem gay, sim, mas essa
não é toda a verdade. A Aids vem
do sexo gay e das drogas, agulhas
contaminadas sendo passadas de
mão em mão e de saunas apinhadas de estranhos, com um tipo de
promiscuidade tão arriscada
quanto a dos viciados. Mas a mídia norte-americana não tem coragem de apontar o homem gay
como o principal responsável pelo problema da Aids, por isso que
as coisas estão como estão, e não
serei eu quem fará dessa questão
uma grande batalha política ou
social. Certamente não é politicamente correto aparecer como o
grande perseguidor de gays, o
que, de resto, eu não sou.
Folha - No livro, o sr. trata das juventudes norte-americanas dos
anos 50 a 70. O que o sr. pensa dos
jovens de agora dos EUA?
Talese - O jovem norte-americano não é particularmente nenhuma coisa. Não é conservador, não
é radical nem em cima do muro.
A cara do jovem americano hoje é
muito difícil de ser identificada, o
que não acontecia na metade do
século 20. Mesmo fisicamente.
Hoje existe uma influência grande
asiática e de vários outros rasgos
mais internacionais misturados
no que sobrou da maioria americana: branca, pele clara, loira.
Também posso afirmar que hoje existe mais sexo nos campi,
mais fornicação para lá e para cá
entre os estudantes do que havia
nos anos 60. A diferença é que hoje ninguém liga, os pais não reclamam, a faculdade é indiferente.
Folha - No último capítulo de "A
Mulher do Próximo" o sr. fala de
experiências sexuais de um tal Gay
Talese. Qual foi a sensação de ser
personagem de seu próprio livro?
Talese - Achei que falar sobre
mim mesmo era o único jeito de
reunir todos os temas que o livro
circunda. Muitos me perguntam
se não me arrependo de ter me exposto. Não. Penso que se fizesse
de outro jeito estaria sendo evasivo, uma tentativa de me esconder
por trás da minha faceta repórter.
No meu caso, devo dizer que
nada do que descrevi foi inventado. É o que aconteceu para as pessoas sobre as quais escrevo, nos
lugares que descrevo, o que faz de
meu livro um retrato da vida privada na América, mais especificamente das fantasias masculinas e
da negociação que as mulheres fazem com essa fantasia.
Folha - No livro o sr. usa personagens reais, descrevendo os lados
obscuros deles. Quantos casamentos o sr. acha que seu livro destruiu?
Talese - Se acabei com casamentos? O meu mesmo não acabou, e
eu era a vítima mais imediata. Este ano eu e Nan completamos
nosso 42º aniversário. Os casamentos não duram por várias razões, mas uma das razões pelas
quais tantas pessoas se divorciam
é que eles acham que a "felicidade" é a prioridade suprema, enquanto a felicidade de verdade
(como romance, sexo, ou ganhar
na loteria) é encarada como alegria de curta duração.
Assuntos muito mais sólidos
mantém casais juntos, e a grande
qualidade pode ser resumida em
uma palavra: respeito. Nada é
mais importante do que isso.
Folha - O livro foi muito criticado
na época em que foi lançado, gerou
muita polêmica. Recentemente,
quando foi reeditado em versão de
bolso, o sr. colheu uma porção de
elogios rasgados. Ao que atribui
essa mudança?
Talese - "Mulher" foi realmente
muito criticado na época. Mas
muitos críticos que escreveram
sobre o livro estavam irritados
com ele antes mesmo do lançamento. É que ele foi precedido de
uma fanfarra enorme em torno da
história de eu ter passado nove
anos para fazê-lo e, sobretudo, de
eu ter recebido, três meses antes
do livro sair da gráfica, uma oferta
recordista de Hollywood pelos direitos do livro. Eu recebi US$ 2,5
milhões. Por isso tudo, muita inveja circundou "A Mulher do Próximo" na época.
Folha - Quem foi a pessoa mais
importante para a sexualidade
norte-americana do século 20?
Talese - Hugh Hefner, o criador
da revista "Playboy". Ele permitiu
que nos imunizássemos à nudez.
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