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"O ÚLTIMO LUGAR DA TERRA"
Jornalista relata os bastidores da corrida pela conquista do pólo
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Enfim quebrou-se o gelo. Noventa anos após a morte do
capitão britânico Robert Falcon
Scott no retorno do pólo Sul, em
março de 1912, o Brasil ganha a
primeira edição de um clássico da
exploração polar: "O Último Lugar da Terra", que revela os bastidores da corrida entre Scott e o
norueguês Roald Amundsen pela
conquista do pólo.
No livro, o jornalista britânico
Roland Huntford desfaz o mito
criado em torno de seu conterrâneo após a tragédia. Scott, considerado um mártir do Império
Britânico, aparece como um líder
atrapalhado, incompetente e até
mesmo mau-caráter, que levou a
a expedição ao desastre.
Não se trata de mera blasfêmia.
Para escrever o livro, publicado
em inglês em 1979, Huntford pesquisou todos os documentos da
época sobre a corrida ao pólo. No
livro, o jornalista reconstrói as
trajetórias dos dois exploradores
para mostrar as diferenças que fizeram do norueguês o primeiro
homem a atingir o pólo Sul, em 15
de dezembro de 1911 (Scott só
chegaria ali em 16 de janeiro).
Roald Amundsen era um planejador obstinado, que havia abandonado a faculdade de medicina
aos 23 anos para se dedicar à exploração polar. Inspirado por
Fritjof Nansen, o primeiro homem a atravessar de trenó a calota polar da Groenlândia, Amundsen passou a juventude sonhando
com a conquista do pólo Norte.
Durante dez anos, planejou sua
grande viagem, só para descobrir,
um ano antes da partida, que havia sido batido por Robert Peary
-que o conquistara em 1909.
Pragmático, Amundsen mudou
de planos: já que não poderia ser o
primeiro no pólo Norte, rumaria
para o Sul. Usaria como transporte cães esquimós e esquis, que já
haviam demonstrado sua eficiência em expedições anteriores.
Robert Falcon Scott era o arquétipo do herói romântico. Capitão
da Marinha Real britânica, descrito como um oficial medíocre, via
na exploração polar um caminho
para a promoção a almirante.
Segundo Huntford, Scott rejeitava toda tecnologia de exploração que não houvesse sido criada
pelos súditos de Sua Majestade.
Os noruegueses usavam esquis e
cães? Muito bem: os bravos britânicos usariam pôneis e tração humana para puxar seus trenós.
Os pôneis, que não comem carne e afundam na neve, foram em
parte responsáveis pelo atraso de
Scott em partir para o pólo, fazendo a jornada de volta em março,
em meio a temperaturas de até
-40C. Além disso, os britânicos
saíram com a quantidade exata de
comida e combustível, sem calcular atrasos. Para Huntford, no entanto, Scott fez uma opção consciente por morrer. Pior, teria convencido seus companheiros Edward Wilson e Henry Bowers de
que o suicídio era preferível à vergonha de voltar a Londres em segundo e explicar as mortes dos
dois outros membros da equipe,
Edgar Evans e Lawrence Oates.
É aí que o jornalista cai em um
velho golpe: de tanto pesquisar
seu biografado, passa a amá-lo ou
odiá-lo. Ao longo das 724 páginas
do livro, Huntford parece adquirir uma antipatia progressiva por
Scott. Parece improvável que dois
oficiais experientes sejam convencidos a morrer -a 20 km do
depósito de alimentos que lhes
salvaria as vidas- por simples
obediência ao comandante.
O jornalista também usa extratos dos diários de membros da expedição como fontes de acusação.
Mas ignora as anotações de Scott
como argumentos de defesa. Ignora, também, as falhas de caráter
de Amundsen, como o calote que
deu em seus credores ao partir escondido para a Antártida. O resultado é um livro emocionante,
mas injusto. Amundsen venceu
porque era melhor explorador,
não melhor pessoa que Scott.
De qualquer maneira, a redescoberta da saga desses homens faz
terras médias, anéis e orcs parecerem brincadeira de criança perto
das aventuras do mundo real.
O Último Lugar da Terra
Autor: Roland Huntford
Tradução: José Geraldo Couto
Editora: Cia das Letras
Quanto: R$ 49 (724 págs.)
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