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MÚSICA
Escritor de "Capão Pecado" faz hoje em São Paulo show gratuito, mostrando repertório do disco "Determinação"
Ferréz estréia no rap avesso ao sucesso
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
"A gravadora vai me matar por
eu dizer isso, mas não quero que
meu disco seja um sucesso." O
disco, de rap, se chama "Determinação". O autor, do disco e da frase, é Ferréz, 28, morador do distrito do Capão Redondo, na periferia sul paulistana.
Não é que ele cobice o insucesso. Autor dos livros "Capão Pecado" (2000) e "Manual Prático do
Ódio" (2003), Ferréz tem medo de
se desviar de sua rota predileta, a
de escrever.
"Não sou um cantor de rap, mas
um escritor que fez um disco de
rap. Nem queria fazer show, acho
que é entretenimento demais.
Não acredito, prefiro palestra",
justifica. O show que ele não queria acontece hoje, no Itaú Cultural, com entrada gratuita.
Move-se para o rap como o
mesmo autodidata que antes virou escritor, ultrapassando o obstáculo de só haver estudado até a
terceira série.
"Sempre fui curioso, anoto nomes de livro e vou atrás. Cresci
lendo gibi, o primeiro que tive peguei de um boy que jogou fora no
Ibirapuera. Minha mãe não queria deixar, eu tinha sete anos e
pensava: "Caramba, ele jogou fora!'", conta, mostrando a biblioteca-gibiteca de sua casa, que também é escritório, redação, fábrica
de camisetas, sede do "movimento cultural" 1daSul.
Ateu
Admite como seu o discurso
ateu que aparece na faixa "Ouça
Minha Voz". "É ira mesmo. Tem
um monte de gente se matando
em nome de um cara que viveu há
2000 anos e não deu mais pista.
Há uma semana mataram um
amigo meu que nunca fez mal a
uma mosca, vejo tanta gente que
não merecia sofrer sofrendo."
Ele se empolga: "Só vejo bispos
brancos que refletem um Deus
europeu. As igrejas evangélicas
sobrevivem à custa do culto ao
medo do diabo, não de Deus".
Conta do amigo que discute com
a mãe que gasta o salário comprando dez Bíblias de cada vez,
para ajudar o pastor a construir
mais um templo no bairro.
Ainda gosta de Lula ("Já comi
feijoada com ele, quando veio ao
Capão Redondo, fora de campanha"), mas "falta pouco para desacreditar". "Fico cabreiro quando vejo Lula falando e o Abílio Diniz concordando com tudo", critica, referindo-se ao empresário
do Grupo Pão de Açúcar.
Líder comunitário
O telefone toca, é um amigo que
pede ajuda. Ferréz combina que
vai declarar que fulano é funcionário da 1daSul. "A polícia pegou
os três com arma na mão. O branco foi liberado e os dois negros assinaram o porte de arma."
Reconhece que as fronteiras, na
periferia, são tênues. "Um traficante, para mim, pode ser um cara que eu vi crescer, que começou
a fazer aviãozinho com 12 anos.
Vejo no rosto dele o olhar que ele
tinha aos sete anos."
Sabe que a inocência também
mora no Capão, ainda. "Outro dia
chegou uma menina pequena e
me disse que escreveu um livro
sobre sua vida e queria que eu fizesse a capa. Fiz, montei o lançamento do livro dela para cinco
pessoas da família. Dava para ver
o olhinho dela brilhando."
Ter livros publicados amplifica
seu raio de ação no Capão Redondo, ele sabe. "As pessoas passam
por mim e dizem: "Finalmente temos um escritor aqui dentro desta bexiga". É importante ter exemplo, se sair daqui eu vou ser um lixão da Vila Madalena."
A sensação de luta sendo perdida, apesar de tudo, é constante.
"A gente faz tão pouquinho. A
gente pega um cara enquanto o
mundo lá fora pega cem."
"Todo mundo é marginalizado,
massacrado. Não existe periferia", filosofa ele, de seu centro,
consciente de que em seu país
qualquer lugar é periferia.
FERRÉZ. Show de rap do escritor, com
músicas do disco recém-lançado
"Determinação". Onde: Itaú Cultural (av.
Paulista, 149, tel. 0/xx/11/ 3268-1776).
Quando: hoje, às 19h30. Quanto: entrada
gratuita (retirar ingressos a partir das
18h).
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