São Paulo, quarta-feira, 16 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marte ataca

Em segundo álbum, Mars Volta derruba as fronteiras do rock misturando punk com salsa e progressivo

Divulgação
Imagem do encarte de "Frances the Mute", feita por Storm Thorgerson, fotógrafo do Pink Floyd


DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Led Zeppelin, Smashing Pumpkins e Frank Zappa interpretando Edgar Allan Poe ao som de Buena Vista Social Club." Por escorregadia que pareça, é difícil encontrar melhor definição que esta, da revista "Q", para descrever o novo álbum do Mars Volta.
Lançado em fevereiro no Japão e na Europa, em 1º de março nos EUA e previsto para o dia 28 no Brasil, "Frances the Mute" (Frances, a muda), segundo registro em estúdio do grupo, reúne cinco faixas -subdivididas em movimentos-, ao longo de 77 minutos de épico.
Rock progressivo? "Pink Floyd, King Crimson, Yes, ouvi muito essas coisas quando eu era pequeno. Mas não acho que tenhamos muito em comum. Não sei nada de teoria musical", disse à Folha, em entrevista por telefone, o guitarrista e co-fundador da banda Omar Rodriguez-Lopez, 28.
Porto-riquenho criado em El Paso, no Texas, Rodriguez conheceu lá, há 15 anos, o mexicano Cedric Bixler-Zavala, com quem formou a já extinta At the Drive-In e atualmente divide as composições no Mars Volta. Juntos os dois passaram por não tão poucas e muito menos boas experiências com drogas pesadas e a perda de amigos próximos, que refletiram diretamente no referencial trágico e mórbido de suas músicas.
"Frances the Mute" não é exceção e trata, nem sempre literalmente, da busca de um filho adotivo pela identidade de sua mãe biológica. Morta.
A seguir, trechos da entrevista.
 

Folha - Existe uma história por trás de "Frances the Mute"?
Omar Rodriguez-Lopez -
Creio que uma série de histórias. Há um tema que percorre o disco que é a busca pelas raízes. Quando você vem de um país diferente para viver nos EUA, existe uma busca, quase um vício, para encontrar a que ou a onde você pertence. Você começa a falar inglês, tenta se adaptar, mas a cultura americana não o aceita porque você tem pele escura, cabelo enrolado. Mais do que tudo, o disco coloca uma série de perguntas: suas raízes estão na sua família? Estão no seu sangue? Ou são as pessoas que estão do seu lado e o apóiam sempre, não importa o que você faça?

Folha - Vocês perderam um amigo [o músico Jeremy Ward] em 2003, pouco antes de gravarem "Frances the Mute". Que influência isso teve no disco?
Rodriguez -
Foi uma influência entre tantas outras, como as pinturas da arte mexicana, os filmes de Kurosawa, de Buñuel e de Pasolini ou os escritos de Carlos Castañeda... Jeremy era um amigo. Crescemos juntos, aprendemos sobre música juntos, aprendemos sobre as garotas juntos, aprendemos sobre a vida e a morte juntos. Há quase três anos decidi parar de usar drogas e fizemos um pacto de três vias, eu, Jeremy e Cedric, para ficarmos limpos. Cedric e eu conseguimos. Ele não, continuou tendo recaídas e se perdeu. O maior problema para os viciados é que eles têm receio de que precisam das drogas para ter grandes idéias. Pensam que, se pararem de tomá-las, a energia vai embora. Não é verdade. As drogas são só o veículo, estão afetando o que já estava lá. São como uma peça de equipamento, como uma guitarra. A guitarra não escreve músicas sozinha.

Folha - Quando fala em busca de raízes, isso inclui raízes musicais?
Rodriguez -
Sempre. É por isso que o disco tem mais letras em espanhol, percussão, congas, maracas. Tem o [pianista de salsa] Larry Harlow. Fui buscar gente até em Porto Rico. Sinto como se esse fosse o nosso primeiro disco. Parece que estivemos adormecidos, sonhando com essas idéias... Acho que agora realmente começamos a nossa aventura.

Folha - Incomodam as comparações com o rock progressivo?
Rodriguez -
Não tenho problemas em sermos rotulados como uma banda progressiva no sentido literal de progredir, de andar para a frente e de ser diferente do que você era antes. Só acho estranho quando nos comparam com as bandas daquela época [anos 70]. Elas eram muito baseadas em teoria, na complexidade técnica. Minha relação com a música se apóia no sentimento. Se algo soa bem e me empolga, então eu uso. Acho que o nosso espírito é muito mais próximo do punk rock, que vem do coração. Se temos algo em comum com as bandas progressivas é que elas se permitiram influenciar por todas as formas de música, do rock à música clássica, passando pelo reggae e pelo dub. Gosto de Lee "Scratch" Perry e do Michael Jackson tanto quanto gosto do Can e do kraut rock.

Folha - O que há de errado com as músicas de 2 minutos?
Rodriguez -
Não tenho nada contra elas. Precisamos de boa música pop, de boa música country, de bom hip hop e de música experimental. Tudo tem seu lugar perfeito na música. Algumas pessoas precisam das coisas simplificadas, que peguem sua mão e as conduzam. Isso a música pop faz. Ela diz a você o que sentir. Mas isso não significa que a gente vá tocá-la. Eu não consigo me expressar direito em 2 ou 3 minutos.


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.