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FERREIRA GULLAR
Rubem Grillo
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Surrealismo mágico
O encontro dos líderes latinos foi parte do espetáculo que iniciou com o ataque às Farc
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UMA TRAGICOMÉDIA, uma comédia, uma farsa, como definiremos o que tem ocorrido
na América Latina, nestas últimas
semanas? Poucas vezes o mundo teve oportunidade de assistir a cenas
tão inusitadas como as da 20ª Reunião do Grupo do Rio, realizada em
Santo Domingo, e poderia ter sido
em Macondo.
Aquele encontro dos chefes de Estado latino-americanos foi apenas
parte do espetáculo que começou
com o ataque da aviação colombiana
a um acampamento das Farc em território do Equador, de que resultou
a morte de Raúl Reyes, o segundo
homem do comando da guerrilha.
No primeiro momento, pareceu
que se ia deflagrar uma guerra entre
a Colômbia, o Equador e a Venezuela. Enquanto o presidente equatoriano Rafael Correa denunciava Álvaro Uribe por atentar contra a soberania de seu país, o venezuelano
Hugo Chávez enviava tanques e tropas para a fronteira com a Colômbia.
Fidel, lá de Cuba, ouviu as trombetas da guerra soarem nos céus latino-americanos. Imediatamente, os
governos de Brasil, Chile e Argentina puseram água na fervura, e convocou-se uma reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos).
Não obstante isso, os presidentes
Rafael Correa e Hugo Chávez não
pareciam dispostos ao entendimento. Correa tomou a iniciativa de visitar os países vizinhos com o propósito de isolar a Colômbia. Enquanto
esses lances se desenrolavam, muita
gente se perguntava por que a Venezuela deslocara tropas para a fronteira com a Colômbia se, afora a declarada diferença político-ideológica entre Uribe e Chávez, o incidente
que deflagrara a crise não envolvia a
Venezuela. Estranhamente, mais
que Correa, o presidente venezuelano parecia disposto a ir às vias de fato. Mas a pretexto de que, se suas
fronteiras não haviam sido violadas?
Queria era pôr mais lenha na fogueira? Outra coisa não pretendia Daniel Ortega, presidente da Nicarágua, quando, intempestivamente,
rompeu relações com a Colômbia.
O mundo inteiro deve ter assistido, perplexo, a tantas e insensatas
bravatas, muito embora o governo
colombiano, forçado pelas circunstâncias, tenha reconhecido que ferira a soberania equatoriana e pedira
desculpas formais por isso. Mas Rafael Correa, entre insultos e berros,
exigia a cabeça do culpado.
E Lula, que partido tomara? O
partido de Lula, claro. Ou seja, tratava de se equilibrar entre os contendores, sem se queimar com nenhum deles. Condenou, com razão, a violação do território do Equador pela
Colômbia, mas aconselhou Correa a
aceitar as desculpas de Uribe. Se telefonou para Hugo Chávez, recomendando moderação, não se sabe,
mas não condenou publicamente
seus rompantes belicistas nem tampouco estranhou por que as Farc se
abrigavam em território do Equador, sem serem molestadas pelos
militares daquele país. De qualquer
modo, agiu corretamente ao aconselhar os contendores a acertar suas
contas na mesa de discussões. Mas
lá não foi, claro. Mandou em seu lugar o chanceler Celso Amorim à reunião da OEA que decidiu por condenar a atitude da Colômbia sem, no
entanto, impor-lhe punições. Correa e Chávez, isolados em seus propósitos, tendo que engolir a decisão
majoritária, prepararam-se para ir à
forra na reunião do Grupo do Rio, na
semana seguinte.
A situação de Uribe, no contexto
latino-americano, é sempre difícil,
porque ele conta com o apoio político e militar dos Estados Unidos. Numa visão simplista, Chávez, Correa, Ortega e Lula encarnariam a luta
contra a dominação americana, enquanto Uribe, pelo contrário, se aliaria a ela. Talvez por sentir-se isolado, não compareceu ao almoço que reuniu os representantes de todos os
países participantes da reunião nem
quis aparecer na foto que os reuniu.
Mas, iniciadas as discussões, ele,
inesperadamente, partiu para a
ofensiva, surpreendendo a todos e
especialmente a Correa e Chávez;
apresentou documentos, que teriam
sido apreendidos no acampamento
das Farc, que fora bombardeado, e
que provavam entendimentos e ajudas dos dois à organização guerrilheira colombiana. Alegando ter
provas de que Chávez dera US$ 300
milhões às Farc, ameaçou denunciá-lo ao Tribunal Penal Internacional.
Chávez e Correa negaram a autenticidade dos documentos, mas Uribe
insistiu nas denúncias.
E quando parecia que a vaca -ou
melhor, a paz- ia para o brejo, Chávez começou a cantar um bolero e a
dizer-se um pacifista. De furiosos,
ele e Correa tornaram-se cordatos e
terminaram apertando a mão de
Uribe. Não é de estranhar? Foi aí
que o pano de cena se fechou diante
de uma platéia perplexa. Aguardemos o próximo ato.
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