São Paulo, terça-feira, 16 de março de 2010

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Candidato precisa "noivar" com ABL

Chance dos concorrentes a uma cadeira na academia depende de discrição e aproximação prévia, que pode durar anos

Se para Nélida Piñon eleição segue ritmo "mozartiano", João Ubaldo compara complexidade às disputas da Florença de Maquiavel

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O ritmo de chumbo, a lentidão e solenidade comumente associados à Academia Brasileira de Letras convivem, durante uma campanha eleitoral na casa, com uma movimentação intensa, uma guerra de guerrilha na qual é fundamental conciliar habilidade política com discrição.
"Uma eleição aqui obedece a elementos quase mozartianos. Não fica bem se expor muito, não há apreço por candidatos histriônicos, que quebram o ritmo natural da casa", afirma a ex-presidente Nélida Piñon, há 21 anos na ABL.
Daí a agonia de Eros Grau ao ser flagrado numa "cena de campanha explícita". Nos bastidores, entretanto, ele e seus principais concorrentes -o poeta e diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti e o professor Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional- já trabalham há muito tempo. O quarto no páreo, com poucas chances, é o sambista Martinho da Vila.
Não se espera mais pela "Sessão da Saudade" (a homenagem ao acadêmico morto) para iniciar a campanha, como manda a ética da ABL. Mindlin morreu num domingo cedo. "Antes de o sol se pôr", como conta o presidente da ABL, Marcos Vinicios Vilaça, postulantes já acionavam suas máquinas de campanha, com telefonemas e e-mails para acadêmicos.
Punham em prática algo que já estava em gestação. A menos que seja alguém pronto a ser aclamado -e há poucos, como o crítico Antonio Candido-, é preciso "trabalhar" por anos uma candidatura: conhecer os acadêmicos, telefonar-lhes, ir às conferências da ABL etc.
"O candidato tem que noivar primeiro com a academia, fazer a corte, participar de suas atividades", resume Cícero Sandroni, ocupante da cadeira 6.
Cavalcanti, que além de obra própria em poesia é especialista em traduzir poetas italianos, já se inscrevera em 2006, mas desistira no caminho, e passou então a se aproximar mais dos acadêmicos. Neste momento é o favorito. Tem entre os cabos eleitorais o ex-ministro Eduardo Portella, segundo mais antigo na casa (entrou em 1981).
Muniz Sodré, com inúmeros livros publicados sobre comunicação e cultura, achegou-se mais à ABL ao assumir a Biblioteca Nacional, em 2005. Sandroni e João Ubaldo Ribeiro são seus entusiastas.
Pelo menos desde 2006, quando foi o orador de uma sessão em que o STF homenageou ministros da ABL, Grau ceva a candidatura. Livros jurídicos, como os que presenteou a Ana Maria Machado na sexta, formam a base de sua obra, mas publicou em 2007 um romance que une política e sexo, cujos trechos tórridos causaram furor em Brasília. José Sarney é um dos articuladores de seu nome entre os imortais.
"Costumo dizer que uma eleição aqui é mais complicada que uma eleição florentina", diverte-se João Ubaldo, acadêmico desde 1993, que na última quinta era o único de jeans (e blazer) na sessão.
O xadrez é de fato pesado. O cartunista Ziraldo, que já se inscreveu duas vezes a vagas na ABL (em uma delas desistiu no meio em favor de Mindlin), sondou agora os imortais sobre a intenção de concorrer de novo. Sentiu que os apoios já estavam costurados, e recuou.
"O quadro já está muito claro, não vai aparecer mais nenhum candidato. Mesmo que surgisse um retumbante, mesmo que tivesse vindo da Galiléia, já estaria tarde para ele -já está todo mundo comprometido", problematiza Nélida.
Um retumbante seria o poeta Ferreira Gullar, cuja candidatura foi lançada por admiradores. Ao declarar que estava cansado de dizer não à ABL, ele deu a entender que poderia ceder, mas agora afirma que não concorrerá. "O que fiz foi só me desculpar por não querer, não significa que sou candidato."
"Sou eleitor do Gullar, mas se ele entrar agora eu não voto, porque já estou com o Geraldo", ilustra Portella.
O caso de Fernando Henrique Cardoso -que fará palestra na ABL na quinta- também é uma amostra do quão intrincado é o processo. Com a morte de Mindlin, surgiram rumores de que desta vez o ex-presidente seria candidato. Ele ligou para Vilaça para negar. Entre os acadêmicos, há duas hipóteses: 1) seu nome foi levantado por adversários na própria ABL, justo para queimá-lo; 2) seus apoiadores na casa sondaram o terreno, viram que já estava delineado e o avisaram; ele então ligou para Vilaça para negar.
Tal complexidade é o que enfraquece Martinho da Vila. A candidatura dele foi estimulada pelo presidente da ABL, Marcos Vilaça, que busca tornar a casa mais próxima do mundo real. Mas Martinho, dez livros publicados (parte infantil), se diz desconfortável em fazer a corte. Disse mal saber quem eram seus adversários.
"Só vou à academia se me quiserem lá. Não vou fazer muita coisa. Tenho um amigo que cumpriu todo o roteiro, fez uns 15 jantares, e não se elegeu", afirma o músico, único candidato que aceitou dar entrevista. (FABIO VICTOR)


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