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Candidato precisa "noivar" com ABL
Chance dos concorrentes a uma cadeira na academia depende de discrição e aproximação prévia, que pode durar anos
Se para Nélida Piñon eleição
segue ritmo "mozartiano",
João Ubaldo compara
complexidade às disputas
da Florença de Maquiavel
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
O ritmo de chumbo, a lentidão e solenidade comumente
associados à Academia Brasileira de Letras convivem, durante uma campanha eleitoral
na casa, com uma movimentação intensa, uma guerra de
guerrilha na qual é fundamental conciliar habilidade política
com discrição.
"Uma eleição aqui obedece a
elementos quase mozartianos.
Não fica bem se expor muito,
não há apreço por candidatos
histriônicos, que quebram o
ritmo natural da casa", afirma a
ex-presidente Nélida Piñon, há
21 anos na ABL.
Daí a agonia de Eros Grau ao
ser flagrado numa "cena de
campanha explícita". Nos bastidores, entretanto, ele e seus
principais concorrentes -o
poeta e diplomata Geraldo Holanda Cavalcanti e o professor
Muniz Sodré, presidente da Biblioteca Nacional- já trabalham há muito tempo. O quarto
no páreo, com poucas chances,
é o sambista Martinho da Vila.
Não se espera mais pela "Sessão da Saudade" (a homenagem
ao acadêmico morto) para iniciar a campanha, como manda
a ética da ABL. Mindlin morreu
num domingo cedo. "Antes de o
sol se pôr", como conta o presidente da ABL, Marcos Vinicios
Vilaça, postulantes já acionavam suas máquinas de campanha, com telefonemas e e-mails
para acadêmicos.
Punham em prática algo que
já estava em gestação. A menos
que seja alguém pronto a ser
aclamado -e há poucos, como
o crítico Antonio Candido-, é
preciso "trabalhar" por anos
uma candidatura: conhecer os
acadêmicos, telefonar-lhes, ir
às conferências da ABL etc.
"O candidato tem que noivar
primeiro com a academia, fazer
a corte, participar de suas atividades", resume Cícero Sandroni, ocupante da cadeira 6.
Cavalcanti, que além de obra
própria em poesia é especialista em traduzir poetas italianos,
já se inscrevera em 2006, mas
desistira no caminho, e passou
então a se aproximar mais dos
acadêmicos. Neste momento é
o favorito. Tem entre os cabos
eleitorais o ex-ministro Eduardo Portella, segundo mais antigo na casa (entrou em 1981).
Muniz Sodré, com inúmeros
livros publicados sobre comunicação e cultura, achegou-se
mais à ABL ao assumir a Biblioteca Nacional, em 2005. Sandroni e João Ubaldo Ribeiro
são seus entusiastas.
Pelo menos desde 2006,
quando foi o orador de uma
sessão em que o STF homenageou ministros da ABL, Grau
ceva a candidatura. Livros jurídicos, como os que presenteou
a Ana Maria Machado na sexta,
formam a base de sua obra, mas
publicou em 2007 um romance
que une política e sexo, cujos
trechos tórridos causaram furor em Brasília. José Sarney é
um dos articuladores de seu
nome entre os imortais.
"Costumo dizer que uma
eleição aqui é mais complicada
que uma eleição florentina", diverte-se João Ubaldo, acadêmico desde 1993, que na última
quinta era o único de jeans (e
blazer) na sessão.
O xadrez é de fato pesado. O
cartunista Ziraldo, que já se
inscreveu duas vezes a vagas na
ABL (em uma delas desistiu no
meio em favor de Mindlin),
sondou agora os imortais sobre
a intenção de concorrer de novo. Sentiu que os apoios já estavam costurados, e recuou.
"O quadro já está muito claro, não vai aparecer mais nenhum candidato. Mesmo que
surgisse um retumbante, mesmo que tivesse vindo da Galiléia, já estaria tarde para ele -já
está todo mundo comprometido", problematiza Nélida.
Um retumbante seria o poeta
Ferreira Gullar, cuja candidatura foi lançada por admiradores. Ao declarar que estava cansado de dizer não à ABL, ele deu
a entender que poderia ceder,
mas agora afirma que não concorrerá. "O que fiz foi só me
desculpar por não querer, não
significa que sou candidato."
"Sou eleitor do Gullar, mas se
ele entrar agora eu não voto,
porque já estou com o Geraldo", ilustra Portella.
O caso de Fernando Henrique Cardoso -que fará palestra
na ABL na quinta- também é
uma amostra do quão intrincado é o processo. Com a morte
de Mindlin, surgiram rumores
de que desta vez o ex-presidente seria candidato. Ele ligou para Vilaça para negar. Entre os
acadêmicos, há duas hipóteses:
1) seu nome foi levantado por
adversários na própria ABL,
justo para queimá-lo; 2) seus
apoiadores na casa sondaram o
terreno, viram que já estava delineado e o avisaram; ele então
ligou para Vilaça para negar.
Tal complexidade é o que enfraquece Martinho da Vila. A
candidatura dele foi estimulada pelo presidente da ABL,
Marcos Vilaça, que busca tornar a casa mais próxima do
mundo real. Mas Martinho, dez
livros publicados (parte infantil), se diz desconfortável em fazer a corte. Disse mal saber
quem eram seus adversários.
"Só vou à academia se me
quiserem lá. Não vou fazer
muita coisa. Tenho um amigo
que cumpriu todo o roteiro, fez
uns 15 jantares, e não se elegeu", afirma o músico, único
candidato que aceitou dar entrevista.
(FABIO VICTOR)
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