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DISCO CRÍTICA
Chico mostra face do assentado em CD
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Redação
Novamente dispostos a promover discussões em torno de algum
tema de eleição, grandes nomes da
família MPB têm optado por voltar
às suas próprias raízes e ressuscitar
assuntos que debatiam há cerca de
30 anos. É o que faz Gilberto Gil no
novíssimo "Quanta" e é o que faz
Chico Buarque agora, no mini-CD
"Terra", parte integrante do novo projeto do fotógrafo Sebastião
Salgado.
O caso nem é tão popular assim,
mas, em 1966 -o mesmo ano de
sua estréia discográfica, num disco
que contava com "A Banda",
"Pedro Pedreiro" e "Olê,
Olá"-, Chico cobriu de melodias
os poemas de João Cabral de Melo
Neto do drama da terra "Morte e
Vida Severina", para montagem
engajada do Teatro do Tuca de São
Paulo.
A coisa, transformada em disco
ao vivo gravado em cena aberta,
está há décadas fora de catálogo.
Mas são populares até hoje, em
forma de canção ou de poema,
versos como "esta cova em que estás/ com palmos medida/ é a conta
menor/ que tiraste em vida/ (...) é a
parte que te cabe deste latifúndio".
Mais tarde, no "Chico Buarque
de Hollanda Vol. 3" (o que continha também "Roda Viva"), de
1968, Chico gravou por sua própria voz esse poema, ainda com
corais ao fundo.
Agora, Chico volta, por seus próprios braços, ao tema da terra, da
reforma agrária, da luta camponesa. O tom, dessa vez, é bem menos
panfletário que o daquela época de
radicalismo.
Não passam, na verdade, de duas
novas canções, já que "Fantasia"
é regravação de canção já presente
no disco "Vida", de 1980, e "Brejo da Cruz" esteve antes em "Chico Buarque", de 1984 (o que contém também "Vai Passar").
Chico apresenta o mesmo fio de
voz que exibiu em seu CD anterior,
"Uma Palavra" (1995), embora
um tanto mais afinado.
"Brejo da Cruz" se justifica pela
letra (aquela sobre seres "que comiam luz"), mais que pela nova
leitura.
"Fantasia" até aprimora a primeira versão, mas foge em termos
do tema proposto -por isso é colocado um adendo em coral ao final, como a justificá-la num lance
à "Morte e Vida Severina".
Dada a pouca novidade das regravações, ganham interesse ainda
maior as novas composições,
"Assentamento" e "Levantados
do Chão".
A primeira é uma boa canção de
Chico Buarque, que filosofa, inspirado em Guimarães Rosa: "Quando eu morrer/ cansado de guerra/
morro de bem/ com a minha terra".
A composição é sutil, dribla o
panfleto, mas não deixa de remeter
aos mesmos palmos de terra chorados há já muitas décadas por
João Cabral de Melo Neto.
Nem tão sutil é a segunda, "Levantados do Chão", que novamente elege o coral como via de
expressão, usando as vozes de Chico, Milton Nascimento, Olívia Hime, MPB-4 e outros numa só massa sonora.
Já não há, entretanto, aquelas
vozes femininas sofridas das atrizes de "Morte e Vida Severina",
marco característico daquela época. Tudo é tranquilo, desanimado,
prestes ao piegas.
Adotada a lógica de Chico Buarque, o que se parece poder concluir é que, de três décadas para cá,
nada mudou. Ou, antes, só a disposição de espírito, hoje bem mais
branda. Pode ser assim, mas pode
também se tratar apenas da ótica já
assentada do velho artista.
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