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MÚSICA
A guerra dos Rappers
CAMILO ROCHA
especial para a Folha
O rapper Notorious B.I.G. tinha
milhões de discos vendidos, colecionou algumas posições no primeiro lugar da parada americana,
era uma das maiores e mais milionárias estrelas do rap. Nada disso
impediu, no entanto, que ele tombasse esburacado de tiros como
milhares de seus irmãos pobres
dos guetos negros.
O fato, ocorrido há algumas semanas, quando acrescentado ao
assassinato de Tupac Shakur no
ano passado, escancara de forma
chocante o estágio de violência e
desilusão do rap americano.
Afinal, são mega-astros dos
show business americano, filhos
pródigos da indústria musical,
com discos na parada: B.I.G. há
três semanas em primeiro com
"Life After Death... Till Death Do
Us Part" e Tupac com "Makavelli: The Don Killuminati 7th Day
Theory" entre as 20 mais.
São pop stars morrendo em situações que lembram as batalhas
de traficantes de morro do Rio.
O paralelo é adequado não só
nesse aspecto. Assim como no
morro carioca, o gueto americano
é um lugar onde valentia fala mais
alto, problemas são resolvidos a
bala, exibicionismo material é sinal de progresso, a malandragem
compensa e a ausência de perspectiva dita uma ética de vida que diz:
"Viva o máximo hoje porque você
pode não ter amanhã".
O gangsta rap, com letras violentas, machistas e niilistas, virou o
estilo dominante do gênero nos últimos anos. Não só nas vendagens,
como no noticiário, já que discos
de gangsta são foco de histeria moral conservadora (como no caso de
"Cop Killer", de Ice-T).
Surgiu em Compton, violento
gueto negro de Los Angeles, no começo da década com o grupo
NWA. Suas maiores estrelas são
Ice-T, Snoop Doggy Dogg, Dr.
Dre. Tupac Shakur e Notorious
B.I.G. eram dois dos mais recentes
chegados a esse time.
A polícia de Compton, que investiga o assassinato de Shakur,
apresentou há algumas semanas o
que diz ser a versão definitiva do
crime. Shakur foi metralhado na
saída de uma luta de Mike Tyson,
em outubro passado. Estava no
banco do passageiro de uma BMW
preta, dirigida por Mario "Suge"
Knight, chefão da gravadora Death
Row, a mais importante do gangsta rap. O assassino fugiu.
Nos meses seguintes muita especulação correu solta (até uma história de que Tupac estaria vivo). A
teoria predominante era de que era
um acerto de contas na cada vez
mais intensa rivalidade entre rappers das costas Oeste e Leste.
Segundo a polícia, a morte de
Shakur não tem nada a ver com a
guerra dos rappers. Em um documento de 29 páginas, diz que o
rapper foi morto por Orlando Anderson, que teria sido espancado
por uma turma da Death Row no
ano passado em Las Vegas.
Anderson teria arrancado uma
correntinha do pescoço de um dos
seguranças de Shakur alguns meses antes. Um informante disse à
polícia que ouviu o segurança
identificar o assassino de Shakur
como sendo o homem espancado
no hotel. O advogado de Anderson
nega o envolvimento de seu cliente
na morte do rapper.
A polícia diz que a morte de Shakur desencadeou uma guerra de
gangues em Los Angeles que resultou em três mortos e dez feridos.
Enquanto isso, investigações recentes em Nova York e Los Angeles também afastam a hipótese de a
morte de Notorious B.I.G. ser parte da rixa Leste-Oeste.
A versão corrente é que o motivo
foi pessoal, sobre dinheiro que
B.I.G. devia a um segurança contratado da gangue angelena Crips
para protegê-lo em suas viagens à
costa oeste.
Se as mortes não são a transição
das palavras para os atos de uma
guerra travada em declarações à
imprensa e letras entre rappers e
agregados das costas Leste e Oeste,
ainda assim elas dizem muito sobre a falta de perspectivas do universo gangsta.
O gangsta é a expressão musical
de uma geração do gueto, para a
qual ter esperança é um luxo e em
que morte e exclusão são as únicas
certezas.
O ex-vice-presidente norte-americano Dan Quayle, na sua enorme
ignorância, resumiu a condição do
gangsta ao falar de Tupac: "Não
há lugar para ele em nossa sociedade".
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