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Diva na Amazônia
A mezzo-soprano espanhola Teresa Berganza, uma das mais destacadas intérpretes de Mozart e Rossini, é a estrela do Festival de Ópera em Manaus, onde fará um recital no dia 23
Divulgação
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A ópera"La Bohème", com regência de Karl Martin e direção cênica de Jorge Takla, terá três apresentações em Manaus, nos dias 24, 26 e 28 de abril |
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Ela é veterana, já cantou com
Maria Callas e esteve nos maiores
teatros do mundo. Contudo, a
mezzo-soprano espanhola Teresa
Berganza, 66, uma das mais destacadas intérpretes de Mozart e
Rossini do pós-guerra, está entusiasmadíssima com sua estréia
em Manaus, de cujo festival de
ópera é a principal estrela.
"Sinto-me como se tivesse 18
anos de novo e fosse estrear no
Scala", afirma. "Se eu tivesse alguns anos a menos, acho que viria
morar no Brasil. O público caloroso, a comida, a caipirinha... Dizem-me que em São Paulo há um
lindo auditório novo, e eu adoraria me apresentar nele."
Berganza esteve no Brasil em 97,
acompanhada pelo pianista Juan
Parejo -que tocará com ela em
Manaus, dia 23, em um recital
constituído de música barroca,
Rossini, canções espanholas e
brasileiras. A cantora já gravou
um disco com composições de
Villa-Lobos e Ernani Braga.
Órgão, piano, composição, regência, harmonia, história da música, dança e violoncelo são algumas das disciplinas a cujo estudo
a artista -considerada a maior
mezzo-soprano de seu país desde
a legendária Conchita Supervia
(1895-1936)- se dedicou. Afastada dos palcos de ópera, Berganza
tem se dedicado a recitais e foi antes de dar um deles, em Buenos
Aires, que ela falou com exclusividade à Folha, por telefone.
Folha - Como a sra. entrou em
contato com canções brasileiras?
Teresa Berganza - Por meio de
Bidu Sayão, que tive a grande sorte de conhecer em Nova York, há
muitos anos. Tenho essas canções
porque foi ela que me deu.
Folha - Como foi a experiência?
Berganza - Foi como conhecer
uma das melhores cantoras do
mundo -e uma das pessoas mais
agradáveis e ternas. Foi incrível.
Ela era uma mulher extraordinária. Cantava um Mozart lindo, um
Puccini também muito bonito,
era uma cantora de uma grande
sensibilidade. Eu me enamorei
dessas canções quando as ouvi, e
ela me disse: "Sim, sim, você pode
cantá-las".
Folha - De alguma maneira a interpretação de Sayão das canções
brasileiras influenciou a sua?
Berganza - Muitíssimo. Não influenciou na forma de cantar porque ela era uma soprano, e eu,
uma mezzo. Inclusive algumas
canções eu tive de transpor para
uma tonalidade mais grave.
Folha - Como foi seu trabalho
com o idioma português?
Berganza - Muito fácil, porque
tenho um amigo brasileiro que
me ajudou muito. Bidu Sayão gravou essas canções, e sua pronúncia é tão bonita que com ela
aprendi a cantar com esse português, que é brasileiro.
Folha - Nos últimos anos, a sra.
tem se concentrado mais nos recitais. A sra. ainda canta ópera?
Berganza - Não canto ópera há
muitos anos. Não me despedi,
mas creio que teria de ser algo tão
importante, tão bem feito e tão à
minha medida que, sem isso, eu
não voltaria. Não me interessa
muito como se faz a ópera hoje,
com poucos ensaios, muita pressa, gente que falta... Fiz tudo o que
queria, tive uma carreira completa. Desde meus 20 anos cantava
seis meses ópera e seis meses recital. O recital é meu mundo. Talvez
mais do que a ópera.
Folha - A sra. cantou tudo o que
queria ou faltou algum papel?
Berganza - Em minha carreira,
cantei só o que podia cantar, o que
não fazia dano à minha voz e me
fazia feliz. Talvez pudesse ter cantado algo mais, mas para quê? Se
tinha Mozart, Rossini comigo e tive um período muito bonito de
Carmen comigo, para que mais?
Claro que talvez tivesse gostado
de fazer uma Traviata, ou uma
Tosca, ou uma Salomé, mas minha voz não é para isso.
Folha - Cantar o que não prejudica a voz foi o segredo de ter uma
carreira tão longa?
Berganza - Talvez, porque, com
o passar dos anos, fui modificando o repertório e tirando coisas
que não se adaptavam à minha
voz, ou que minha voz não podia
fazer. Sempre cuidei para que a
voz não estivesse danificada, não
tivesse fissuras, e que estivesse bonita -que o instrumento fosse
sempre da mesma cor.
Folha - Qual o segredo para cantar os papéis que foram sua especialidade, ou seja, a escrita floreada de Mozart e do bel canto?
Berganza - Um toque de dedo do
céu, que me deu uma voz bem
maleável, com a cor e as possibilidades de poder cantar Mozart,
Rossini e o barroco de Vivaldi,
Händel, Monteverdi, Bach e outros. Mas essa voz eu trabalhei
muito, com técnica adequada.
Folha - Já definiram sua Carmen
como uma Carmen "ligeira". Qual
sua concepção deste papel?
Berganza - Os que dizem isso
não sabem ler música. É preciso
ter a partitura na mão, lê-la e ver o
que escreveu o sr. Bizet, e não ouvir discos, ouvir outras cantoras
que têm umas vozes enormes. É
um papel cheio de sutilezas. Não é
uma mulher agressiva. Não cantei
esse papel antes porque tinha medo de que a Carmen fosse assim.
Folha - A sra. agora é titular da
cátedra de canto da Escola Rainha
Sofia, de Madri. O que representa
essa experiência?
Berganza - A experiência é maravilhosa, me preenche a vida,
mas é muito cansativa. Para mim,
um aluno é um ser humano acima
de tudo. Cada ser humano é muito diferente, deve ser tratado de
uma forma diferente; cada voz é
uma personalidade. Um professor de canto tem que dar os exemplos com sua voz, e isso cansa bastante. Porém é maravilhoso! Sou
tão rica em experiências. Não
posso levar à tumba, tenho que
passar aos jovens.
Folha - O que seria mais importante passar?
Berganza - Fazer músicos e artistas, que cantem, que utilizem seu
instrumento a serviço da música.
Esse instrumento que temos está
a serviço das partituras, do que escreveram os grandes. É preciso
respeitar todos os compositores.
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