São Paulo, segunda-feira, 16 de abril de 2001

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Diva na Amazônia

A mezzo-soprano espanhola Teresa Berganza, uma das mais destacadas intérpretes de Mozart e Rossini, é a estrela do Festival de Ópera em Manaus, onde fará um recital no dia 23

Divulgação
A ópera"La Bohème", com regência de Karl Martin e direção cênica de Jorge Takla, terá três apresentações em Manaus, nos dias 24, 26 e 28 de abril


IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ela é veterana, já cantou com Maria Callas e esteve nos maiores teatros do mundo. Contudo, a mezzo-soprano espanhola Teresa Berganza, 66, uma das mais destacadas intérpretes de Mozart e Rossini do pós-guerra, está entusiasmadíssima com sua estréia em Manaus, de cujo festival de ópera é a principal estrela.
"Sinto-me como se tivesse 18 anos de novo e fosse estrear no Scala", afirma. "Se eu tivesse alguns anos a menos, acho que viria morar no Brasil. O público caloroso, a comida, a caipirinha... Dizem-me que em São Paulo há um lindo auditório novo, e eu adoraria me apresentar nele."
Berganza esteve no Brasil em 97, acompanhada pelo pianista Juan Parejo -que tocará com ela em Manaus, dia 23, em um recital constituído de música barroca, Rossini, canções espanholas e brasileiras. A cantora já gravou um disco com composições de Villa-Lobos e Ernani Braga.
Órgão, piano, composição, regência, harmonia, história da música, dança e violoncelo são algumas das disciplinas a cujo estudo a artista -considerada a maior mezzo-soprano de seu país desde a legendária Conchita Supervia (1895-1936)- se dedicou. Afastada dos palcos de ópera, Berganza tem se dedicado a recitais e foi antes de dar um deles, em Buenos Aires, que ela falou com exclusividade à Folha, por telefone.

Folha - Como a sra. entrou em contato com canções brasileiras?
Teresa Berganza -
Por meio de Bidu Sayão, que tive a grande sorte de conhecer em Nova York, há muitos anos. Tenho essas canções porque foi ela que me deu.

Folha - Como foi a experiência?
Berganza -
Foi como conhecer uma das melhores cantoras do mundo -e uma das pessoas mais agradáveis e ternas. Foi incrível. Ela era uma mulher extraordinária. Cantava um Mozart lindo, um Puccini também muito bonito, era uma cantora de uma grande sensibilidade. Eu me enamorei dessas canções quando as ouvi, e ela me disse: "Sim, sim, você pode cantá-las".

Folha - De alguma maneira a interpretação de Sayão das canções brasileiras influenciou a sua?
Berganza -
Muitíssimo. Não influenciou na forma de cantar porque ela era uma soprano, e eu, uma mezzo. Inclusive algumas canções eu tive de transpor para uma tonalidade mais grave.

Folha - Como foi seu trabalho com o idioma português?
Berganza -
Muito fácil, porque tenho um amigo brasileiro que me ajudou muito. Bidu Sayão gravou essas canções, e sua pronúncia é tão bonita que com ela aprendi a cantar com esse português, que é brasileiro.

Folha - Nos últimos anos, a sra. tem se concentrado mais nos recitais. A sra. ainda canta ópera?
Berganza -
Não canto ópera há muitos anos. Não me despedi, mas creio que teria de ser algo tão importante, tão bem feito e tão à minha medida que, sem isso, eu não voltaria. Não me interessa muito como se faz a ópera hoje, com poucos ensaios, muita pressa, gente que falta... Fiz tudo o que queria, tive uma carreira completa. Desde meus 20 anos cantava seis meses ópera e seis meses recital. O recital é meu mundo. Talvez mais do que a ópera.

Folha - A sra. cantou tudo o que queria ou faltou algum papel?
Berganza -
Em minha carreira, cantei só o que podia cantar, o que não fazia dano à minha voz e me fazia feliz. Talvez pudesse ter cantado algo mais, mas para quê? Se tinha Mozart, Rossini comigo e tive um período muito bonito de Carmen comigo, para que mais? Claro que talvez tivesse gostado de fazer uma Traviata, ou uma Tosca, ou uma Salomé, mas minha voz não é para isso.

Folha - Cantar o que não prejudica a voz foi o segredo de ter uma carreira tão longa?
Berganza -
Talvez, porque, com o passar dos anos, fui modificando o repertório e tirando coisas que não se adaptavam à minha voz, ou que minha voz não podia fazer. Sempre cuidei para que a voz não estivesse danificada, não tivesse fissuras, e que estivesse bonita -que o instrumento fosse sempre da mesma cor.

Folha - Qual o segredo para cantar os papéis que foram sua especialidade, ou seja, a escrita floreada de Mozart e do bel canto?
Berganza -
Um toque de dedo do céu, que me deu uma voz bem maleável, com a cor e as possibilidades de poder cantar Mozart, Rossini e o barroco de Vivaldi, Händel, Monteverdi, Bach e outros. Mas essa voz eu trabalhei muito, com técnica adequada.

Folha - Já definiram sua Carmen como uma Carmen "ligeira". Qual sua concepção deste papel?
Berganza -
Os que dizem isso não sabem ler música. É preciso ter a partitura na mão, lê-la e ver o que escreveu o sr. Bizet, e não ouvir discos, ouvir outras cantoras que têm umas vozes enormes. É um papel cheio de sutilezas. Não é uma mulher agressiva. Não cantei esse papel antes porque tinha medo de que a Carmen fosse assim.

Folha - A sra. agora é titular da cátedra de canto da Escola Rainha Sofia, de Madri. O que representa essa experiência?
Berganza -
A experiência é maravilhosa, me preenche a vida, mas é muito cansativa. Para mim, um aluno é um ser humano acima de tudo. Cada ser humano é muito diferente, deve ser tratado de uma forma diferente; cada voz é uma personalidade. Um professor de canto tem que dar os exemplos com sua voz, e isso cansa bastante. Porém é maravilhoso! Sou tão rica em experiências. Não posso levar à tumba, tenho que passar aos jovens.

Folha - O que seria mais importante passar?
Berganza -
Fazer músicos e artistas, que cantem, que utilizem seu instrumento a serviço da música. Esse instrumento que temos está a serviço das partituras, do que escreveram os grandes. É preciso respeitar todos os compositores.


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