São Paulo, sexta-feira, 16 de abril de 2004

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CRÍTICA

Longa consegue superar a tola crença no "real"

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Prisioneiro da Grade de Ferro" é um marco do documentário brasileiro, graças à audácia e ao talento de seu realizador, Paulo Sacramento.
Mas, a par do grande impacto que o filme causou nos festivais onde foi exibido, criou-se em torno dele uma série de equívocos que merecem ser discutidos.
Como se sabe, o diretor emprestou sua câmera a alguns presos do Carandiru para que registrassem, de seu próprio ponto de vista, o cotidiano da cadeia. Idéia brilhante, mas que gerou conclusões um tanto ingênuas, para não dizer perigosas. Muita gente passou a dizer que o "Prisioneiro" mostrava "o verdadeiro Carandiru", em contraste com "o Carandiru falso" de Hector Babenco.
A confusão se origina da idéia de que, ao empunhar a câmera cedida por Sacramento, os presos estariam revelando a verdade nua e crua do presídio, sem censura e sem maquiagem.
Ora, sabe-se há muito tempo que nenhuma imagem é inocente. Todo enquadramento implica escolha, visão pessoal. Mais ainda: a ordem em que as imagens captadas são organizadas, o modo como dialogam com a trilha sonora, tudo isso resulta em produção de sentido, em interpretação do universo retratado.
As imagens que vemos em "Prisioneiro" -pelo menos boa parte delas, porque nem sempre fica claro o que é filmado pelos detentos e o que é filmado por Sacramento- são as imagens que os presos escolheram mostrar, filtradas pela sensibilidade e pelo desejo do cineasta. O mesmo vale para o que é dito ao longo do filme.
Aprendemos muito sobre a vida no Carandiru vendo "Prisioneiro". Mas não se trata da "realidade em estado bruto".
Os presos falam de tudo: religião, comida, sono, drogas. Mas não dizem quase nada sobre os crimes que os levaram até ali, ou sobre as traições e justiçamentos cometidos atrás das grades.
Eles querem compaixão e solidariedade, o que é legítimo. Talvez por isso se tenha filmado tanto às 18h, a "hora da Ave Maria", em que os alto-falantes do presídio espalham a pungente música de Gounod, incitando-nos a encontrar em nós mesmos a humanidade do prisioneiro da grade de ferro.


O Prisioneiro da Grade de Ferro
    
Produção: Brasil, 2003
Direção: Paulo Sacramento
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Espaço Unibanco, Jardim Sul e circuito



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