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CRÍTICA
Longa consegue superar a tola crença no "real"
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"O Prisioneiro da Grade
de Ferro" é um marco do
documentário brasileiro, graças à
audácia e ao talento de seu realizador, Paulo Sacramento.
Mas, a par do grande impacto
que o filme causou nos festivais
onde foi exibido, criou-se em torno dele uma série de equívocos
que merecem ser discutidos.
Como se sabe, o diretor emprestou sua câmera a alguns presos do
Carandiru para que registrassem,
de seu próprio ponto de vista, o
cotidiano da cadeia. Idéia brilhante, mas que gerou conclusões um
tanto ingênuas, para não dizer perigosas. Muita gente passou a dizer que o "Prisioneiro" mostrava
"o verdadeiro Carandiru", em
contraste com "o Carandiru falso" de Hector Babenco.
A confusão se origina da idéia
de que, ao empunhar a câmera cedida por Sacramento, os presos
estariam revelando a verdade nua
e crua do presídio, sem censura e
sem maquiagem.
Ora, sabe-se há muito tempo
que nenhuma imagem é inocente.
Todo enquadramento implica escolha, visão pessoal. Mais ainda: a
ordem em que as imagens captadas são organizadas, o modo como dialogam com a trilha sonora,
tudo isso resulta em produção de
sentido, em interpretação do universo retratado.
As imagens que vemos em "Prisioneiro" -pelo menos boa parte
delas, porque nem sempre fica
claro o que é filmado pelos detentos e o que é filmado por Sacramento- são as imagens que os
presos escolheram mostrar, filtradas pela sensibilidade e pelo desejo do cineasta. O mesmo vale para
o que é dito ao longo do filme.
Aprendemos muito sobre a vida
no Carandiru vendo "Prisioneiro". Mas não se trata da "realidade em estado bruto".
Os presos falam de tudo: religião, comida, sono, drogas. Mas
não dizem quase nada sobre os
crimes que os levaram até ali, ou
sobre as traições e justiçamentos
cometidos atrás das grades.
Eles querem compaixão e solidariedade, o que é legítimo. Talvez por isso se tenha filmado tanto às 18h, a "hora da Ave Maria",
em que os alto-falantes do presídio espalham a pungente música
de Gounod, incitando-nos a encontrar em nós mesmos a humanidade do prisioneiro da grade de
ferro.
O Prisioneiro da Grade de Ferro
Produção: Brasil, 2003
Direção: Paulo Sacramento
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Espaço Unibanco, Jardim
Sul e circuito
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