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Poeta Jacques Roubaud lança "Algo: Preto", sobre o processo de luto pela morte de sua mulher, em 83
Matemática da alma
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Algo: Preto", primeiro livro de
Jacques Roubaud publicado no
Brasil, parece à primeira vista distante da tônica dominante em seu
trabalho. Conhecido como um
dos mais destacados poetas do
Oulipo (movimento fundado na
França em 1960 pelo escritor Raymond Queneau e pelo matemático François Le Lionnais), elabora
nesse livro o trabalho de luto pela
perda da mulher -a fotógrafa
Alix Cléo, morta em 1983.
Mesmo nesse momento de intensidade existencial e dor, porém, conserva o rigor formal da literatura oulipiana, que consiste
em estabelecer uma regra ou "restrição" que
discipline a invenção. Foi a tensão
entre forma e expressão, aliás, que
levou a tradutora Inês Oseki-Dépré a optar por este título.
"Escolhi "Algo: Preto" porque
constitui um dos mais belos poemas franceses contemporâneos",
diz ela, que identifica uma lógica
característica de Roubaud, "moderna e ao mesmo tempo rara na
percepção do vazio ocasionado
pelo desaparecimento da pessoa
amada, reunindo sentimento universal e forma perfeita".
Autora de um trabalho de fôlego como a versão francesa de
"Galáxias", de Haroldo de Campos, Oseki-Dépré encontrou no
brasileiro um interlocutor para
enfrentar as dificuldades do livro
de Roubaud. Dificuldades que começam no título "Quelque Chose
Noir", cuja tradução ao pé da letra
seria "alguma coisa preto".
"O título de Roubaud", diz Oseki-Dépré, "é quase agramatical,
na medida em que em francês se
diz em geral "quelque chose de
noir" ou "quelque chose noire". Era
necessário manter essa estranheza. Não era possível tampouco
traduzir "noir" por "negro", porque
o "leitmotiv" da obra é a foto em
preto-e-branco [por causa da referência a Alix Cléo, que era fotógrafa]. A perda dessa estranheza é
compensada pelos dois pontos,
sugestão de Haroldo de Campos".
Mas as traduções de Roubaud
não param por aqui: as editoras
Cosac Naify e 7 Letras anunciam
para o segundo semestre a publicação de uma antologia do poeta
dentro da coleção Ás de Colete.
Organizado por Paula Glenadel e
Carlito Azevedo, o volume incluirá poemas e textos teóricos selecionados em cerca de dez livros.
Leia a seguir entrevista em que o
poeta e matemático nascido em
1932 recusa o rótulo de "cerebral"
e explica a rígida estrutura matemática por trás de "Algo: Preto".
Folha - "Algo: Preto" representa
uma mudança ou ainda obedece à
idéia "oulipiana" de restrição?
Jacques Roubaud - Este livro está
ligado a um momento biográfico
preciso, de luto. E, como tentativa
de ultrapassar o silêncio que se segue ao luto, não constitui uma virada, mas um novo começo. Por
outro lado, foi construído sobre
um conjunto de restrições organizadas ao redor do número nove,
que eu associo ao luto.
Folha - Por que essa associação?
Roubaud - Associo a cada número uma "paisagem pessoal" feita
de propriedades matemáticas, de
referências poéticas (o número 14
é o soneto, por exemplo) e de
emoções. Trata-se portanto de
uma espécie de aritmética "neopitagórica": para os pitagóricos, os
números não estão destinados
apenas ao cálculo e à música, mas
se associam a idéias (o cinco, por
exemplo, está ligado à idéia de
justiça). Eu me inspiro nesse modelo e o utilizo à minha maneira.
No caso do nove, a idéia de tomar
esse número como sinal do luto
vem de um trabalho poético anterior, inspirado por Petrarca. Eu tinha feito o poema "Tombeau de
Pétrarque" [túmulo de Petrarca],
construído sob uma forma -a
"novina"- que generaliza a "sextina" [também conhecida como
"quenina": modelo de permutação de rimas criado por Queneau
a partir da estrofe de seis versos
inventada pelo trovador Arnaut
Daniel e adotada por Dante e Petrarca, mas que pode ser generalizada pela fórmula "n-ina", com
"n" correspondendo ao número
de estrofes e versos]. Quando comecei a elaborar "Algo: Preto",
pesquisando o número que determinaria a arquitetura do livro, esse poema pareceu antecipar a situação em que me encontrava.
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