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Oulipo faz paralelo com matemática
COLUNISTA DA FOLHA
Ao lado de escritores como
Yves Bonnefoy e Michel Deguy, Jacques Roubaud é um
dos maiores poetas contemporâneos da França, com uma
trajetória indissociável do Oulipo. Esse movimento literário,
do qual participaram autores
como Raymond Queneau,
Georges Perec e o italiano Italo
Calvino, estabeleceu um paralelo entre invenção literária e
matemática, atualizando a noção de "vanguarda" numa era
atravessada pela ciência e pela
"ars combinatoria" dos sistemas informacionais, com sua
lógica binária (porém avassaladora, como demonstra a onipresença da informática em
nosso cotidiano).
O nome Oulipo é um acrônimo de "Ouvroir de Littérature
Potentielle", expressão que pode ser traduzida como "oficina
de literatura potencial". Seu
procedimento básico consiste
em estabelecer "restrições" formais -tão rigorosas quanto
arbitrárias- que ordenam a
criação literária. Exemplos disso são os romances "Exercícios
de Estilo", de Queneau (que
narra o mesmo episódio de 99
formas diferentes), e "La Disparition", de Perec (no qual nenhuma palavra contém a vogal
"e", a mais freqüente da língua
francesa).
Por trás desses procedimentos aparentemente banais, em
parte inspirados na "patafísica" de Alfred Jarry (essa "ciência das soluções imaginárias"),
existe a idéia de expor o caráter
irracional da racionalidade e
de, ao mesmo tempo, desconstruir a ilusão de que o sujeito é
senhor de si mesmo.
Nesse sentido, o Oulipo é o
avesso do surrealismo, contrapondo à "escrita automática"
(ditada pelo inconsciente e pela
livre associação de palavras, de
inspiração psicanalítica) uma
idéia de liberdade mais plena,
que consiste em criar seus próprios sistemas de organização
do mundo objetivo, escapando
assim do desgoverno das injunções sociais ou psicológicas
e do culto romântico da subjetividade e da "inspiração" (que
Queneau definiu como uma
forma de escravidão).
Roubaud tornou-se companheiro de viagem do Oulipo
em 1966. Um de seus primeiros
livros tem como título o símbolo matemático que significa
"pertence a", na teoria matemática dos conjuntos. Segue-se
uma obra como "La Vieillesse
d'Alexandre" (a velhice de Alexandre, 78), que percorre as variações do verso "alexandrino"
(dodecassílabo muito usado na
poesia francesa) -que para ele
oferece maiores possibilidades
rítmicas do que o verso livre
dos modernistas (nos quais
Roubaud identifica "restrições" insuspeitadas).
Dentro desse quadro, "Algo:
Preto" soa como um momento
ímpar, uma confrontação com
o luto que leva o poeta a renegar, no plano do conteúdo, a
própria poesia. Entretanto a
"via negativa" e a "teologia da
inexistência" almejadas em
"Algo: Preto" se realizam justamente pelo recurso a uma sofisticada formalização, que organiza todo esse cenário de desolação, compreendendo desde a contemplação do corpo da
mulher morta até gestos prosaicos como falar ao telefone
ou coar café.
(MCP)
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