São Paulo, sábado, 16 de abril de 2005

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Oulipo faz paralelo com matemática

COLUNISTA DA FOLHA

Ao lado de escritores como Yves Bonnefoy e Michel Deguy, Jacques Roubaud é um dos maiores poetas contemporâneos da França, com uma trajetória indissociável do Oulipo. Esse movimento literário, do qual participaram autores como Raymond Queneau, Georges Perec e o italiano Italo Calvino, estabeleceu um paralelo entre invenção literária e matemática, atualizando a noção de "vanguarda" numa era atravessada pela ciência e pela "ars combinatoria" dos sistemas informacionais, com sua lógica binária (porém avassaladora, como demonstra a onipresença da informática em nosso cotidiano).
O nome Oulipo é um acrônimo de "Ouvroir de Littérature Potentielle", expressão que pode ser traduzida como "oficina de literatura potencial". Seu procedimento básico consiste em estabelecer "restrições" formais -tão rigorosas quanto arbitrárias- que ordenam a criação literária. Exemplos disso são os romances "Exercícios de Estilo", de Queneau (que narra o mesmo episódio de 99 formas diferentes), e "La Disparition", de Perec (no qual nenhuma palavra contém a vogal "e", a mais freqüente da língua francesa).
Por trás desses procedimentos aparentemente banais, em parte inspirados na "patafísica" de Alfred Jarry (essa "ciência das soluções imaginárias"), existe a idéia de expor o caráter irracional da racionalidade e de, ao mesmo tempo, desconstruir a ilusão de que o sujeito é senhor de si mesmo.
Nesse sentido, o Oulipo é o avesso do surrealismo, contrapondo à "escrita automática" (ditada pelo inconsciente e pela livre associação de palavras, de inspiração psicanalítica) uma idéia de liberdade mais plena, que consiste em criar seus próprios sistemas de organização do mundo objetivo, escapando assim do desgoverno das injunções sociais ou psicológicas e do culto romântico da subjetividade e da "inspiração" (que Queneau definiu como uma forma de escravidão).
Roubaud tornou-se companheiro de viagem do Oulipo em 1966. Um de seus primeiros livros tem como título o símbolo matemático que significa "pertence a", na teoria matemática dos conjuntos. Segue-se uma obra como "La Vieillesse d'Alexandre" (a velhice de Alexandre, 78), que percorre as variações do verso "alexandrino" (dodecassílabo muito usado na poesia francesa) -que para ele oferece maiores possibilidades rítmicas do que o verso livre dos modernistas (nos quais Roubaud identifica "restrições" insuspeitadas).
Dentro desse quadro, "Algo: Preto" soa como um momento ímpar, uma confrontação com o luto que leva o poeta a renegar, no plano do conteúdo, a própria poesia. Entretanto a "via negativa" e a "teologia da inexistência" almejadas em "Algo: Preto" se realizam justamente pelo recurso a uma sofisticada formalização, que organiza todo esse cenário de desolação, compreendendo desde a contemplação do corpo da mulher morta até gestos prosaicos como falar ao telefone ou coar café. (MCP)


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