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ROMANCE/"AVALOVARA"
Edição traz Osman Lins envelhecido
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Publicado em 1973, o romance "Avalovara", de Osman Lins (1924-1978), chega a sua
sexta edição, o que não deixa de
ser um feito para uma obra tão
ambiciosa do ponto de vista formal. Era moda, nos anos 70, fazer
romances que não dispensavam
um manual de instruções. "O Jogo da Amarelinha", de Cortázar, e
em seguida os livros de Perec e de
Italo Calvino, eram tributários da
percepção, supostamente revolucionária na época, de que o máximo de artificialismo na forma terminaria sendo fator de desvendamento e ruptura do real.
Impregnado de forte tradição
realista -Adonias Filho, José
Lins do Rego, quem sabe Graciliano Ramos-, Lins procurou atualizar a linguagem do romance
nordestino a tais exigências.
Será que "Avalovara" sobrevive
ao leitor contemporâneo? A obra
certamente impõe respeito pelo
apuro de concepção. Organiza-se
segundo um conhecido palíndromo -"sator arepo tenet opera
rotas"- , isto é, uma frase que lida da direita para a esquerda ou
da esquerda para a direita se mantém idêntica, que Osman Lins traduz como "o lavrador mantém
cuidadosamente a charrua nos
sulcos". A partir desse artefato
verbal -cinco frases feitas de cinco letras, que podem ser lidas em
qualquer sentido, como num
quadrado mágico- , Osman Lins
construiu várias seqüências narrativas, atribuindo cada letra do
texto latino (A, S, P etc.) a determinada seqüência de capítulos.
É assim que o leitor encontrará,
numerados sob a letra A, textos
tratando das relações do narrador
com Anneliese Roos, bela mulher
vagando entre Amsterdã e Paris.
A letra R encimará capítulos situados numa Ubatuba de ficção
científica; ao longo do livro, menções ao governo Castelo Branco se
alternam com a insistente presença de uma personagem feminina
designada apenas por meio de um
símbolo gráfico -um círculo
com um ponto no meio e dois chifrinhos na testa virtual- que assume a narrativa em contraponto
com Abel, alter ego do narrador.
Enquanto isso, outros capítulos
(intitulados "a espiral e o quadrado") oferecem instruções básicas
de leitura: o romance "busca descrever apenas relações entre várias mulheres e um homem, delineando-se por esta via profana
um trajeto que o protagonista ignora e cujo significado, para o autor, ainda não está definido".
A tal gênero de esclarecimentos
o prefácio de Antonio Candido
confere atenção. Mais constrangedores e datados, sem dúvida,
são os momentos em que o autor
se entrega a uma espécie de prosa
poética esteticamente conservadora e desenfreadamente erótica:
"O seio da mulher, esfera alva e
pejada, desfaz-se num sabor tépido. Penetra-me o espesso perfume que a envolve". Etc.
Trechos que são melhores, em
todo caso, do que a intenção vanguardista, no fundo acadêmica, a
ser notada em frases como esta,
descrevendo uma cena simples de
pescaria: "Fulge várias vezes, argêntea, a palavra peixe".
Avalovara
Autor: Osman Lins
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 47 (384 págs.)
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