São Paulo, quinta-feira, 16 de abril de 2009

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COMIDA

Tô fraco, tô fraco!

Galinha-d'angola se diferencia de outras aves por ser mais saborosa; veja como prepará-la e onde comer

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Escandalosa e insolente. Irrequieta, turbulenta, petulante. Adjetivos desabonadores não faltam para definir o temperamento de uma ave de gênio forte que, em contrapartida, tem uma carne muito apreciada por seu sabor melhor e mais marcante que o de outras da mesma classe, a começar pelo frango.
"Ela é a rainha das galinhas, é superelegante, tem personalidade fortíssima. Com frango você faz o que quiser. Com galinha-d'angola não tem acordo, é uma briga. E ela voa", diz Luiz Tavares Monteiro, 57, proprietário da granja Santa Rita, em Miracatú (interior de SP).
Foram os 22 anos de convivência com a espécie que fizeram Monteiro compreender o "caráter" da ave. Antes de abatê-las para vender a restaurantes e mercados, criava galinha-d'angola para participar de exposições de aves ornamentais.
"Se você colocar numa escala dos animais que foram domesticados, imagino que a galinha-d'angola tenha sido uma das últimas. Tem ainda algumas características selvagens", diz Marcondes Moser, 38, sócio da Villa Germania, produtora de Indaial (SC). "E, apesar de ela ter uma carne branca e suave, você sente um gosto de caça."
O sabor marcante, segundo Moser, tem relação com o tempo de produção elevado (cerca de cem dias contra 40 do frango) e com a quantidade maior de comida -para ganhar um quilo, a galinha-d'angola precisa comer cerca de cinco de ração, contra dois do frango.

A galinha dos mil nomes
Galinha-d'angola é só um dos nomes pelo qual é conhecida. Em alguns Estados, a ave, que repete, incansável e algo rouca, a onomatopeia engraçada que dá título a esta página, é chamada de guiné; em outros, de capote. Ou ainda cocá, pintada...
"Meu pai tem muita guiné lá no quintal dele, na Paraíba. Elas nascem sem você querer. De repente, desaparecem. E, quando voltam, vêm cheias de pintinhos. E ele distribui para todo mundo", diz o chef Carlos Ribeiro, 49, do Na Cozinha, inconformado com a doação, porque em São Paulo paga, e caro, o quilo da ave -em média, R$ 25.
Talvez pelo custo, e também por certo preconceito (ainda há quem ache seu sabor muito forte ou se incomode com a coloração mais escura de sua carne), a galinha-d'angola ainda é mais popular nos interiores do Brasil, onde são criadas soltas.
Por aqui, sempre estiveram em cardápios franceses ("pintade") e italianos ("faraona"). E, de uns tempos para cá, têm aparecido também em brasileiros como o Dalva e Dito, o Brasil a Gosto (que já teve a ave em várias receitas) e o Na Cozinha.
"Comi guiné a vida inteira. Minha mãe cortava como se fosse a passarinho, em pedaços pequenos, e cozinhava com mandioca, quase como uma vaca atolada. Uma guiné atolada", brinca Ribeiro, que na infância usava as penas para fazer peteca. "Acho a carne bem mais gostosa que frango e pato. Estou testando a aceitação no menu do dia. Faço um guisado com polenta mole. As comidas "rudes" são as que saem mais."
No restaurante de Alain Poletto e Alex Atala, a ave é preparada "en cocotte lutté" (numa caçarola de ferro, lacrada com massa, à maneira da selagem do barreado). É assada inteira e trinchada à mesa.
"Gosto muito do sabor, é uma carne que precisa ser divulgada aqui no Brasil. Muita gente não tem ideia do que é uma galinha-d'angola benfeita", diz Poletto, 51, chef do Dalva e Dito. "Se há uma dificuldade, é o fato de ser uma carne muito magra, mais que a do frango. Assada no forno, da maneira convencional, resseca rápido demais."
A solução foi cozinhar a galinha-d'angola na panela vedada para conservar toda a umidade ali dentro -o recheio de legumes e maçã também ajuda a mantê-la mais tenra (leia a receita no quadro à direita).
Mas a dinâmica do restaurante fez com que o método tradicional fosse combinado com a técnica da cocção a vácuo. "O cliente não pode esperar uma hora e meia de forno", diz o chef. "Faço a mesma preparação, só que asso em baixa temperatura. Quando chega o pedido, ela vai para panela e fica mais meia hora no forno."


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