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"TIRADENTES"
Pesquisadores criticam construção esquemática dos inconfidentes e falta de uma idéia sobre o movimento
Para historiadores, personagens são rasos
da Redação
As "liberdades históricas" assumidas em "Tiradentes", diferentemente do que se poderia esperar,
não foi o que mais incomodou dois
historiadores convidados pela Folha para assistir ao filme.
Laura de Mello e Souza, professora do departamento de história
da USP (Universidade de São Paulo), e Pedro Puntoni, pesquisador
do Cebrap, porém, foram unânimes em criticar diversos aspectos
da obra. Muitas das reclamações
foram abordadas pelo diretor Oswaldo Caldeira em sua entrevista.
A principal crítica foi quanto à
caracterização dos personagens,
definida como "rasa" por ambos.
Eles teriam sido concebidos de
forma "chapada", como se não tivessem dúvidas, contradições.
Laura, que vê o alferes como
"uma das figuras mais extraordinárias da nossa história, cheio de
generosidades e maluquices", não
gostou de sua apresentação. "O filme passa a versão de que a maluquice está só na visão dos oponentes. Tudo indica que ele era meio
desequilibrado, contraditório,
complexo, recalcado e complexado. E isso não aparece no filme."
Ela lembra que Tiradentes se achava feio. "No filme, ele é o bonitão."
Puntoni, que também é professor de história da USP, segue na
mesma linha: "Eles não parecem
personagens de um roteiro. São
apresentados prontos. Silvério
(Joaquim Silvério dos Reis) estava
pronto para delatar antes de conhecer a revolta. O traidor é o traidor desde a primeira cena".
Laura também criticou a apresentação de Claudio Manuel da
Costa: "É uma das figuras mais
dramáticas da Inconfidência. É o
único que aparece com alguma angústia, mas é uma coisa rápida".
Oficialmente Costa se suicidou,
mas alguns historiadores acreditam que ele foi assassinado, o que é
sugerido pelo filme. A professora,
contrária a essa leitura, apesar de
considerá-la plausível, prefere o
suicídio justamente por causa das
características do poeta que ela
não viu retratadas no filme.
"Costa era um cavaleiro de dois
mundos, totalmente dividido. Sua
lírica expressa isso, tem um profundo sentimento da terra. É um
bom exemplo do dilema do intelectual brasileiro, o homem culto
que vive na periferia. Pertence a
um universo de cultura que é o europeu, mas tem remorso por ter
nascido aqui. E agiu pessimamente. Seu depoimento contra os amigos é dos mais horrorosos", afirmou. Essa visão, além do fato de
que o poeta estava com 60 anos, leva Laura a acreditar que ele tinha
motivos para se suicidar.
Mesmo aqui, a bronca não visou
a versão assumida, mas a falta de
complexidade do personagem.
Como contraponto, citou "Os Inconfidentes", de Joaquim Pedro de
Andrade, no qual esses dilemas estariam mais bem retratados.
Para os historiadores, a opção
narrativa, mesclando textos poéticos e discursos históricos a uma representação alegórica, não funcionou. Segundo Puntoni, o diretor
caiu no erro "de achar que dá para
fazer uma reconstrução histórica
apenas pelo discurso".
Ele também sentiu falta de planos exteriores que mostrassem o
ambiente: "Você não vê a Minas
Gerais do século 18". Sem isso, "as
cenas se concentram ao redor de
mesas para o café, para o jantar. E
o filme vira uma discurseira. Parece que estamos diante de uma novela da Globo".
Na visão de Laura, "o filme não
teve reflexão, só transpôs os documentos para a boca dos personagens, sem se deter sobre o sentido
do período". Ela viu na opção narrativa uma "reminiscência do cinema novo que está deslocada. Na
época tinha sentido, mas agora..."
Quanto às "falhas históricas",
sentiu falta de menções ao contrabando, ao qual vários inconfidentes estariam ligados. Puntoni, de
uma cenografia mais fiel ao período. Para ele, a preocupação que
Caldeira teve com os textos deveria
aparecer também nas imagens.
O esquematismo dos personagens e a ineficiência da alegoria, segundo eles, fizeram com que o filme não conseguisse fugir de uma
representação oficial de Tiradentes. As cenas do cotidiano, com o
alferes bebendo e visitando bordéis, não teriam sido suficientes
para trazer um novo olhar sobre o
episódio e seus personagens.
Os elogios ficaram restritos à
atuação de alguns atores, como
Cláudio Correa e Castro e Cláudio
Cavalcanti, e à escolha de boas falas para os personagens.
Os historiadores, quase como espectadores comuns, criticaram a
falta de densidade dramática do
filme, o que dificultaria o envolvimento do espectador. "Não tem
tragédia. Você não fica com pena
do Tiradentes", reclamou Laura.
"Faltou cinema", afirmou Puntoni.
(JOÃO LEIVA FILHO)
A colunista Erika Palomino, de
Noite Ilustrada,
está em férias
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