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São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2003

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Para agradar a Gregos e Troianos


Após o hit "Anna Júlia" e um segundo disco experimental, Los Hermanos se lançam ao meio-termo e à sorte no novo "Ventura"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Foram cerca de 250 mil discos vendidos na estréia, à época do hit "Anna Júlia" (99), e por volta de 35 mil no "Bloco do Eu Sozinho" (2001), que agradou à crítica, mas colocou fãs em rota de fuga.
Em 2003, o quarteto carioca Los Hermanos até afirma que não, mas "Ventura", o terceiro álbum, se parece com sua tentativa de chegar a um meio-termo nem tão para lá, nem tão para cá.
Em favor de seus próprios argumentos de que só seguem ao sabor do vento, sem se preocupar com o que não seja a arte de fazer discos, há um abismo separando 1999 de 2003.
De lá para cá a pirataria explodiu e o CD vai cada vez mais caindo em desuso. A Abril Music (gravadora que alavancou o sucesso de "Anna Júlia") desgostou do resultado supostamente anticomercial do segundo disco.
Sutilmente, Los Hermanos sugerem que sua divulgação foi deixada de lado, após conflitos durante a feitura -a Abril queria regravar o CD, os rapazes só aceitaram mixá-lo novamente.
A Folha procurou o ex-presidente da Abril, Marcos Maynard, para comentar, mas ele não se pronunciou. A gravadora encerrou suas atividades no início deste ano, e os Hermanos foram um dos grupos cujos contratos migraram para a BMG, por onde sai agora "Ventura".
Caso raro no Brasil, um ensaio gravado do novo disco vazou para a internet, onde então já circulam versões de 13 das 15 músicas do disco. "Fiquei emburrado no início, mas a imprensa falou disso como uma coisa bacana. Há um lado positivo, de percebermos que havia uma ânsia das pessoas pelo novo disco", afirma o tecladista Bruno Medina, 24.
Mesmo com canções em geral mais simples que as do experimental disco anterior, Los Hermanos reaparecem dispostos a discutir a condição do ídolo pop, aquele mesmo de que "Anna Júlia" os aproximou em 99.
O tema está em várias das letras, que são sempre compostas isoladamente por um dos dois vocalistas e guitarristas da banda, Marcelo Camelo, 25, e Rodrigo Amarante, 26. É o caso de "O Vencedor".
"Essa trata do antagonismo em relação à auto-afirmação como manifestação de individualidade", afirma Camelo. "Esse é o status quo do rock, o cara tem que ficar sempre dizendo que é o melhor", completa, dizendo que se inspirou também nos derrotados do "Big Brother", que saem celebrados como "vencedores".
Não querem fazer disso uma adesão ao culto do "perdedor". "Somos populares, e o medo disso é uma vergonha", começa Camelo. "É uma ingenuidade achar que o sucesso deve ser sempre castigado", completa Amarante.
Num sentido, os Hermanos dizem serem ainda os mesmos que causaram estranheza em 99 por usar o rock hardcore para falar de amor e romantismo.
Desvenda Amarante, falando sobre o disco de agora: "A intenção é emocionar. Por que se faz uma música, senão por isso?".
Estariam, de todo modo, lançando provocações contra o ambiente que os criou, do rock'n'roll. Outra delas está em "A Outra", em que Camelo se trata no feminino, ofendendo cânones roqueiros machistas.
"Sempre achei engraçado os homens não cantarem as músicas que fazem no feminino. Não me incomodo com o fato de ser mulher um pouco", explica Camelo, provocando um riso de desconforto no baterista Rodrigo Barba, 24. "Sempre tem esse risinho quando falo isso", diverte-se.
Mesmo se negam que conflitos geracionais movam seus impulsos musicais, ainda aí os rapazes se encontram procurando novos meios-termos. O pai rock'n'roll é cutucado por letras românticas ou no feminino banhadas pelas barbas de roqueiros "feios, sujos e malvados". "É sinistro, você dá medo", Medina provoca Camelo.
Amarante, o mesmo que afirma que "não estamos aqui para negar nossos pais", compôs a faixa "Um Par", em que um pai (ou uma mãe) conversa ora com um delegado, ora com o filho, ora com Deus, ora consigo.
"É uma música sobre a dificuldade e o desespero que um pai sente ao se distanciar de um filho", explica, para depois admitir: "Assumo que tento ser ficcional por inspiração do Camelo, que é minha maior influência. Mas quando tento acabo sendo autobiográfico".
Camelo diz que é diferente: "Não consigo ser autobiográfico. Me divirto muito fingindo que sou outras pessoas". Mas foi ele quem compôs "Cara Estranho", sobre alguém que pode ser "eu, você, qualquer um... as pessoas são muito sozinhas...". Por fim, confessa: "Na verdade, fiz pensando em mim mesmo".
Hoje ocupando lugar central na corda bamba do mercado, Los Hermanos se equilibram entre os heróis pop da hora e os anti-heróis de qualquer hora. Na capa de "Ventura", um imenso navio flutua em mar escuro. É o Titanic? "Só se a imprensa for o iceberg", rebate Medina. "Nós somos um barquinho catamarã."

O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou a convite da gravadora BMG.


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