São Paulo, sexta-feira, 16 de maio de 2008

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Caetano canta taras e travestis

No primeiro show de série com aspecto "jornalístico", ele recorda música de 82 para defender Ronaldo

Compositor apresenta seis inéditas no Rio, sendo uma com o refrão "tarado ni você" e outra sobre a base americana de Guantánamo

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

Na estréia de "Obra em Progresso", o show que começou a ser visto anteontem no Rio, Caetano Veloso expôs taras, travestis e sacanagens -inclusive a americana em Guantánamo -numa relaxada e gozada apresentação do embrião do próximo disco do compositor baiano. Caetano abre as quase duas horas no palco do Vivo Rio com "Perdeu", em que o protagonista é descrito como aquele que "fodeu até cansar", uma das seis inéditas da noite.
Três músicas mais tarde, apresenta "Tarado", em que o refrão "tarado ni você" merece explicação. Caetano conta que uma amiga inglesa ensinou a ele, na Nigéria, que a expressão "ni" em iorubá é o inverso de "in" em inglês e tem "em" como equivalente em português. Sacanamente sorridente, embala os versos "tarado ni você, ni mim, no Carnaval, deixa eu gostar de você". Repete mais de meia dúzia de vezes: "Tarado, tarado, tarado".
Caetano entra na seara da guerra norte-americana contra o terror ao mostrar "Base de Guantánamo", composição inédita sua sobre a base militar que existe desde 1898 na costa sudeste de Cuba e que vem sendo utilizada como detenção para prisioneiros supostamente ligados à rede terrorista Al Qaeda -muitos mantidos sem sequer acusação formal.
Uma guitarra nervosa de Pedro Sá ajuda a sombrear a frase engajada: "O fato de os americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais forte simbolicamente para eu não me abalar", canta Caetano.
A letra é só essa e ele repete o refrão, com variações: "Guantánamo, base de Guantánamo, base da baía de Guantánamo". O público, que não tem mais de 2.000 pessoas -presentes no primeiro de uma série de apresentações que prosseguirá em 28 de maio e nas quartas-feiras de junho-, vibra.
É a canção editorial da noite, como gosta de definir, uma toada anti-EUA oposta ao que versejava em "Americanos", do LP "Circuladô Vivo", de 1992, em que dizia que os "americanos representam boa parte da alegria existente neste mundo".
Quem se surpreendeu com o Caetano político pôde sorrir na canção imediatamente seguinte. Como a debochar dos defensores da arte engajada, Caetano canta "Leãozinho", hino do desprendimento político dos anos 70, razão de ameaças constantes ao cantor durante os shows politizados daquela década. "Se cantar "Leãozinho", leva porrada", foi ameaçado Caetano por um líder estudantil durante um show na Associação Brasileira de Imprensa em 1979.

Ronaldo
No que chamou de aspecto "jornalístico" que a série de shows terá, Caetano resgatou "Três Travestis", música sua gravada por Zezé Motta em 1982. "Três travestis/ Três colibris de raça/ Deixam o país/ E enchem Paris de graça". Alguém gritou: "Fenomenal!" A platéia gargalhou e confundiu Caetano, que teve de recomeçar a canção.
Em seguida, discursou: "Ronaldo não tem que pedir desculpa, não tem que pedir perdão. Qual é o problema? A vida é bonita e complexa, não tem que dar explicação para nós. O que aconteceu lá dentro, a parte íntima, não interessa a ninguém. O futebol de Ronaldo é poesia e a poesia tem que se impor". E continuou: "Sem querer desmerecer as outras três pessoas envolvidas, Ronaldo tem toda razão quando disse que não quis pagar porque estava sendo ameaçado. Quem diz isso é craque".
Caetano elogiou a rima dos próprios versos -sempre terminados em is e aça: "Não sou nenhum Chico Buarque, mas a sonoridade é muito bonita".
O cantor recebeu como convidados na estréia Jorge Mautner, Nelson Jacobina e os percussionistas baianos gêmeos Josino Eduardo e Eduardo Josino. Com a Banda Cê -Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria), além de Pedro Sá (guitarra)- Caetano apresentou 23 canções, sendo seis delas inéditas.
Recuperou "Pé da Roseira", uma ciranda de roda composta por Gilberto Gil no final dos anos 60. "Recife foi fundamental para o início do Tropicalismo", lembrou Caetano. "Foi o primeiro ponto de cultura do ministro Gilberto Gil", gracejou sobre o carro-chefe do Ministério da Cultura.


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