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Caetano canta taras e travestis
No primeiro show de série com aspecto "jornalístico", ele recorda música de 82 para defender Ronaldo
Compositor apresenta seis
inéditas no Rio, sendo uma
com o refrão "tarado ni você"
e outra sobre a base
americana de Guantánamo
PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO
Na estréia de "Obra em Progresso", o show que começou a
ser visto anteontem no Rio,
Caetano Veloso expôs taras,
travestis e sacanagens -inclusive a americana em Guantánamo -numa relaxada e gozada
apresentação do embrião do
próximo disco do compositor
baiano. Caetano abre as quase
duas horas no palco do Vivo Rio
com "Perdeu", em que o protagonista é descrito como aquele
que "fodeu até cansar", uma
das seis inéditas da noite.
Três músicas mais tarde,
apresenta "Tarado", em que o
refrão "tarado ni você" merece
explicação. Caetano conta que
uma amiga inglesa ensinou a
ele, na Nigéria, que a expressão
"ni" em iorubá é o inverso de
"in" em inglês e tem "em" como
equivalente em português. Sacanamente sorridente, embala
os versos "tarado ni você, ni
mim, no Carnaval, deixa eu gostar de você". Repete mais de
meia dúzia de vezes: "Tarado,
tarado, tarado".
Caetano entra na seara da
guerra norte-americana contra
o terror ao mostrar "Base de
Guantánamo", composição
inédita sua sobre a base militar
que existe desde 1898 na costa
sudeste de Cuba e que vem sendo utilizada como detenção para prisioneiros supostamente
ligados à rede terrorista Al Qaeda -muitos mantidos sem sequer acusação formal.
Uma guitarra nervosa de Pedro Sá ajuda a sombrear a frase
engajada: "O fato de os americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é
por demais forte simbolicamente para eu não me abalar",
canta Caetano.
A letra é só essa e ele repete o
refrão, com variações: "Guantánamo, base de Guantánamo,
base da baía de Guantánamo".
O público, que não tem mais de
2.000 pessoas -presentes no
primeiro de uma série de apresentações que prosseguirá em
28 de maio e nas quartas-feiras
de junho-, vibra.
É a canção editorial da noite,
como gosta de definir, uma toada anti-EUA oposta ao que versejava em "Americanos", do LP
"Circuladô Vivo", de 1992, em
que dizia que os "americanos
representam boa parte da alegria existente neste mundo".
Quem se surpreendeu com o
Caetano político pôde sorrir na
canção imediatamente seguinte. Como a debochar dos defensores da arte engajada, Caetano
canta "Leãozinho", hino do
desprendimento político dos
anos 70, razão de ameaças
constantes ao cantor durante
os shows politizados daquela
década. "Se cantar "Leãozinho",
leva porrada", foi ameaçado
Caetano por um líder estudantil durante um show na Associação Brasileira de Imprensa
em 1979.
Ronaldo
No que chamou de aspecto
"jornalístico" que a série de
shows terá, Caetano resgatou
"Três Travestis", música sua
gravada por Zezé Motta em
1982. "Três travestis/ Três colibris de raça/ Deixam o país/ E
enchem Paris de graça". Alguém gritou: "Fenomenal!" A
platéia gargalhou e confundiu
Caetano, que teve de recomeçar a canção.
Em seguida, discursou: "Ronaldo não tem que pedir desculpa, não tem que pedir perdão. Qual é o problema? A vida é bonita e complexa, não tem
que dar explicação para nós. O
que aconteceu lá dentro, a parte íntima, não interessa a ninguém. O futebol de Ronaldo é
poesia e a poesia tem que se
impor". E continuou: "Sem
querer desmerecer as outras
três pessoas envolvidas, Ronaldo tem toda razão quando
disse que não quis pagar porque estava sendo ameaçado.
Quem diz isso é craque".
Caetano elogiou a rima dos
próprios versos -sempre terminados em is e aça: "Não sou
nenhum Chico Buarque, mas a
sonoridade é muito bonita".
O cantor recebeu como convidados na estréia Jorge Mautner, Nelson Jacobina e os percussionistas baianos gêmeos
Josino Eduardo e Eduardo Josino. Com a Banda Cê -Ricardo Dias Gomes (baixo e teclado) e Marcelo Callado (bateria), além de Pedro Sá (guitarra)- Caetano apresentou 23
canções, sendo seis delas inéditas.
Recuperou "Pé da Roseira",
uma ciranda de roda composta
por Gilberto Gil no final dos
anos 60. "Recife foi fundamental para o início do Tropicalismo", lembrou Caetano. "Foi o
primeiro ponto de cultura do
ministro Gilberto Gil", gracejou sobre o carro-chefe do Ministério da Cultura.
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