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Eliane Caffé acha que realidade
local confirma tema do filme
da Agência Folha, em Itira
Diretora de dois curtas e um média-metragem, premiados no Brasil e no exterior, a cineasta paulista
Eliane Caffé planeja há sete anos
sua estréia na direção de um longa-metragem, "Kenoma".
No entanto, o que deveria ser
uma adaptação de um conto do escritor argentino Jorge Luis Borges
acabou virando, segundo Caffé,
uma metáfora do desejo de construir um sistema perfeito.
Durante as filmagens no Vale do
Jequitinhonha, a cineasta aproveita a realidade local para aprimorar
o roteiro, escrito com o dramaturgo Luiz Alberto de Abreu, e colher
idéias para novos filmes. Leia a seguir trechos de entrevista com a diretora.
Agência Folha - Como surgiu a
idéia de fazer o filme sobre a máquina do movimento perpétuo?
Eliane Caffé - Eu queria fazer
uma adaptação do conto "As Ruínas Circulares", de Jorge Luis Borges, sobre um homem que quer
criar um homem sonhando, com o
objetivo de torná-lo realidade,
mas, no final, descobre que ele
próprio é um sonho. Quando comecei a fazer a pesquisa, a máquina do movimento perpétuo passou a ser tão mais expressiva, que
acabou o interesse pelo conto do
Borges. Eu via a máquina como
uma metáfora do anseio do homem moderno ocidental de encontrar o sistema perfeito.
Agência Folha - Por que a sra. escolheu Itira?
Caffé - Escolhi o Vale do Jequitinhonha porque queria um lugar
que fosse semi-árido. Se eu fosse
mais para o norte, teria mais dificuldades de produção.
Agência Folha - A sra. aproveita
os aspectos locais no filme?
Caffé - Todos os elementos da
realidade do local vão aparecer.
Todos os habitantes de 'Kenoma'
são daqui, com exceção de seis
atores. O modo como essas pessoas falam vai estar no filme.
Agência Folha - A idéia do movimento perpétuo ainda está viva
em pleno século 20?
Caffé - Isso é muito curioso,
porque foi uma coincidência encontrar um 'perpetuísta' aqui (o
aposentado Turíbio Ferreira Coelho). Colhi também depoimentos
sobre pessoas em outras partes do
Brasil. São homens que estão à
margem da ciência oficial e têm
um perfil muito próximo do artesão medieval. A idéia de se construir uma máquina dessas só é verossímil em um local carente.
Agência Folha - A sra. pensa em
fazer outro filme sobre o que viu
aqui no Vale do Jequitinhonha?
Caffé - Quando você se aventura para fazer um filme e sai do seu
contexto, entra em contato com
outra realidade. Abre seus poros
para assimilar coisas que não tem
como assimilar diante de uma tela
de TV. No final, além do filme, você leva outras coisas. É isso que dá
continuidade para você entrar em
outro processo criativo.
Agência Folha - Seria uma estética da fome, como disse Glauber
Rocha?
Caffé - Não. É a força criativa
do ser humano, não importa em
que situação ele esteja. Tem, por
exemplo, uma criança (Sidnei
Vieira dos Santos, 12) que é cega e
tem as pernas atrofiadas. Sua irmã
é louca e fica presa em um quarto
há cinco anos. Agora, essa criança
tem um mundo que ela construiu
sentada em um banquinho, até para suprir uma carência.
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