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LITERATURA
Danny Morrison
especial para a Folha
"O meu problema é que as pessoas
criticam a mim, e não a meu livro."
Não que o establishment literário
irlandês não produza figuras que
se sintam autorizadas a um desabafo como esse, mas o caso do escritor "belfastiano" Danny Morrison parece ser exemplar.
Afinal, não é todo mundo que
passou pela prisão, com direito a
longas temporadas na mítica e temida Maze Prison, que abriga os
paramilitares condenados por atos
de terrorismo.
Danny Morrison foi durante
muito tempo porta-voz do Sinn
Fein, o chamado braço político do
IRA, grupo terrorista da Irlanda
do Norte que quer ver seu país independente do Reino Unido.
Talvez seja esse currículo que
torne polêmico seu recém-lançado
livro, "The Wrong Man" (O Homem Errado).
Para falar do livro e das coisas da
Irlanda do Norte, Danny Morrison
recebeu a Folha em um pub próximo a uma espécie de centro cultural católico-republicano chamado
Culturelann, em Belfast.
(FM)
Folha - Você diria que existe um
herói no livro? O quanto de autobiografia podemos encontrar em
"The Wrong Man"?
Danny Morrison - As mulheres
aparecem como sendo as mais fortes, como as mais inocentes e mais
cheias de humanidade. Alguns dos
personagens masculinos têm
aquela orientação machista nas
suas vidas. Raymond é uma pessoa
cheia de princípios, um ativista do
IRA. Sem pessoas como ele a resistência teria desmoronado. O livro
não é nem autobiográfico nem semi-autobiográfico. Porém acho
que qualquer autor trabalha com
algumas de suas experiências pessoais, o que faz com que eu escreva
razoavelmente bem sobre uma
pessoa do IRA, por causa do meu
"background" republicano. É
uma leitura opaca, incômoda, não
há salvação. É sobre a vida de pessoas enclausuradas.
O personagem Tod faz parte do
enorme grupo de pessoas jovens
que querem se juntar ao IRA por
causa do eventual "glamour" social que esse impõe dentro da comunidade...
E isso é perigoso, porque na hora
do recrutamento, a limpeza desse
pessoal fica por conta do IRA, que
não quer ter em mãos uma peça
solta. Raymond sabe quais são
suas motivações, o que ele quer e
ele está preparado para abrir mão
de qualquer coisa: seu casamento,
sua vida doméstica. Já Tod, a certa
altura, conclui que aquilo não é
para ele, mas já deu início a uma
série de processos que o impedem
de voltar atrás. O livro é basicamente sobre a traição e a lealdade.
Folha - Você poderia falar um
pouco sobre esse seu "background" republicano?
Morrison - Não tenho intenção
de ir fundo, só posso dizer que eu
era um ativista republicano, fui
preso sem julgamento em Long
Kesh, por 13, 14 meses, fui acusado
de pertencer ao IRA e de conspiração para perverter a justiça pública... Fui preso várias vezes, apanhei, fui maltratado e em 1990 fui
condenado a oito anos.
A acusação original era de conspiração para homicídio e de pertencer ao IRA. Fui preso a caminho de uma entrevista com um informante. A polícia e o Exército
caíram em cima de mim e me
prenderam, mesmo sem eu ter
nem sequer falado com essa pessoa. O informante não testemunhou contra mim, mas mesmo assim fui preso.
Folha - Não é exagero dizer que
boa parte de sua obra foi concebida atrás das grades. Como foi a experiência, que tipo de liberdade
você tinha para escrever?
Morrison - Embora você tenha
muito tempo, é muito difícil escrever na cadeia. Eu acordava às 6 horas da manhã, a cadeia ficava barulhenta a partir das 9 horas. Muitas
pessoas acham que a cadeia é um
lugar silencioso, mas é um dos lugares mais barulhentos do mundo:
bate-bate, xingamentos e gritos.
Quando eu estava aguardando julgamento, as condições eram complicadas. Fui colocado numa cadeia criminal de Belfast, 23 horas
por dia trancado, em condições
terríveis. Inúmeras brigas entre
nós e os unionistas, ataques com
água fervendo, facadas... os ataques aconteciam quando você voltava das visitas. Quando cheguei
aos "H-blocks", a situação era diferente. Como resultado direto das
greves de fome de 1981, todas as
reivindicações dos prisioneiros tinham sido atendidas. O regime era
bem mais liberal. Não há barulho
lá, os homens do IRA e os unionistas estão separados. Os livros capa-dura ainda não são permitidos
na prisão. Toda a sua correspondência é lida, mas só é alterada, obviamente, se você incriminar alguém do staff da prisão.
Folha - Você diria que, por ter recebido mais atenção nos últimos
anos como escritor, se tornou uma
espécie de alvo mais iluminado?
Morrison - Ainda faço trabalhos de publicidade para o Sinn
Fein, fui o editor do "An Phoblacht" e do "Republican
News", jornais do movimento republicano, fui preso meia dúzia de
vezes... Ainda tenho que tomar
cuidado. Não fico andando à toa
por aí. Tomo medidas de precaução. Acho que os unionistas poderiam me atacar, as forças de segurança ou o Exército britânico poderiam estar interessados em
mim. Nos meus livros, não vão encontrar nenhum tipo de informação explícita. Talvez possam fazer
alguma leitura psicológica de um
ativista republicano, mas acho
que, a essa altura do campeonato,
uma organização teria que ser
muito burra para tentar bater o
IRA se baseando em ficção.
Folha - Como ficaria um filme baseado num livro de Danny Morrison?
Morrison - Poderia facilmente
ser transformado num filme anti-IRA, o que comprometeria sua
integridade. Para transformar
"The Wrong Man" em filme, e
existe gente interessada, eu teria
que ter um tipo de controle especial.
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